Clara Monforte

Olhos nos Olhos com Eva Wilma

16/05/2014
Olhos nos Olhos com Eva Wilma | Jornal da Orla
Do outro lado da linha telefônica, estava EVA WILMA que, com delicadeza, pediu para aguardar um instante. Orientou alguém a fechar a janela, possivelmente para escutar melhor as perguntas, feitas por telefone no meio da tarde da última quinta-feira. Com tamanha simplicidade, nem parecia que era ela, um dos principais nomes das artes cênicas e da teledramaturgia no país, que estava respondendo às perguntas. Todo o seu talento pode ser conferido neste sábado, às 21h, e domingo, às 19h, no Teatro Municipal de Santos, com o espetáculo “Azul Resplendor”. Na ficção, vive Blanca Estela, uma diva do teatro que foi convencida por um ator inexpressivo e fã incondicional a voltar aos palcos após 30 anos longe deles. A montagem, dirigida por Renato Borghi e Elcio Nogueira Seixas, mostra os bastidores da preparação de um espetáculo, com os jogos de poder, os afetos, as vaidades e as ilusões do meio artístico.
 
Faltam bons papéis para os atores que envelhecem?
O texto desta peça me conquistou porque é uma crônica bem-humorada sobre as pessoas que ousam viver da atuação. E fui conquistada pelo papel de uma mulher, com idade entre 70 a 80 anos, que soube envelhecer bem e não tem a necessidade de “bancar” a mocinha. Sempre assumi a minha idade sem nenhum problema, respeitando o momento da minha vida sem querer ser mais nova do que sou e, principalmente, sem ficar remexendo a minha pele em plásticas.
 
É possível levar as situações do dia a dia com humor?
Sim, isso é resultado de inteligência. O brilhantismo da vida é saber levar as situações da melhor maneira possível, sem chorar mais do que é necessário. Com muito dramalhão tudo fica muito chato!
 
Em uma das fotos do espetáculo, você aparece com metade do rosto pintado. Por quê?
A proposta vem do teatro grego, um lado do rosto mais claro, pintado, mostrando que todos têm os dois lados. Como vilã, gosto de brincar com o meu lado mau. Ninguém, absolutamente ninguém, é apenas bom ou mau.
 
Você prefere interpretar mocinhas ou vilãs?
Já não faço mais a mocinha há muito tempo, não sou louca de acreditar nisto. Quando muito, sou a “velhinha boazinha”. Hoje, faço a “doçura bondosa”. Em cena na peça, fiz uma adaptação: levanto e recordo o começo da carreira da personagem. Ela diz que, na idade dela, só quer uma personagem importante, nem a “boazinha” nem a “má”.
 
O que é saber envelhecer?
É saber conviver com limitações e perdas. Há um ano e dois meses, fiz uma cirurgia que afetou a minha locomoção. Usei bengala, por necessidade, em cena. Hoje não dependo mais de bengala, mas uso em cena pela elegância que este acessório representa. 
 
Sente saudade do Carlos Zara?
Sim. Na noite passada, assisti no canal “Viva” ao seriado “Mulher”. Minha personagem era uma médica, e o escalaram para ser o marido dela na ficção. Foi o último trabalho dele. Revi e sonhei com ele a noite toda.
 
O que diria a ele se pudesse revê-lo uma vez mais?
O que eu disse a vida inteira: muitas coisas, outras coisas, palavras de “bem-querer”, não só o óbvio “eu te amo”. 
 
Você tem alguma frustração nesta carreira brilhante?
Sim, a de não ter feito o filme “Topázio”, de Alfred Hitchcock. Tudo começou quando eu estava fazendo a peça “Blackout”, entre 1967 e 1968. Foi um trabalho de teatro muito bem-sucedido. Eu fazia uma cega, com um dos principais formadores de teatro, Antunes Filho. Foi produzida por meu marido, na época, John Herbert, que, numa das premiações, ganhou uma viagem de 45 dias por Washington, e eu me dei de presente acompanhá-lo. Acabamos em Los Angeles e um agente de Hitchcock precisava de uma atriz latina para o papel de uma cubana no filme. Quinze dias depois, pediram fotos, material filmado e currículo. Fiquei mais de dez dias por lá, participando da seleção, não fiquei mais porque era fim de ano e queria voltar para rever meus filhos, ainda pequenos. Nove dias depois, o teste foi interrompido, porque o Hitchcock ficou gripado. Quando retomaram, escolheram outra atriz. Meu único consolo é que o filme não foi um dos grandes de Hitchcock!