Comportamento

A febre das figurinhas

02/05/2014
A febre das figurinhas | Jornal da Orla
Faltando menos de dois meses para a abertura da Copa do Mundo, a mania de colecionar álbum de figurinhas consegue uma façanha rara nos tempos atuais: pessoas de diferentes gerações se reunem diariamente em torno de uma atividade lúdica, a de trocar, comprar, vender, colar e trocar informações sobre os cromos coloridos com as figuras de jogadores, estádios, logotipo, escudos das equipes, o mascote da Copa, a dona do jogo, a bola, entre outros elementos que compõem o cenário do maior campeonato do futebol mundial.
 
Em Santos, o ponto de encontro dos aficcionados por figurinhas é na calçada da avenida Ana Costa, próximo à Banca Estátua, no Gonzaga. Desde que o álbum oficial da Fifa foi lançado, no início de abril, o grupo vem aumentando a cada dia, atraindo gente de todas as idades, interessada em montar um álbum ou criar a oportunidade de ganhar um dinheiro extra nesta época. O frenesi cresce a partir da tarde e se estende pelas primeiras horas da noite, uma situação que vem causando também transtorno para os comerciantes da área, já que o intenso movimento está prejudicando a passagem de pedestres e o acesso dos consumidores às lojas.
 
Mas nada disso parece preocupar os colecionadores, muitos já habituais, outros estreando na atividade nesta Copa ou retomando o tempo perdido. O entusiasmo é tanto que contagia só de olhar. É o caso do aposentado Pedro de Liberato que, aos 82 anos, não resistiu à tentação e cedeu à febre das figurinhas. A justificativa são os netos. Um detalhe: a única vez que o aposentado montou não um, mas dois álbuns de figurinhas, foi na Copa de 50, que o Brasil perdeu para o Uruguai. “Depois disso tinha perdido o gosto”.
 
Um só não basta
Na hora da troca, adulto vira criança e vice-versa. Em poucas semanas (o lançamento foi no início de abril), muita gente já completou o álbum e está partindo para o segundo. Na segunda-feira, o bancário Renato Luiz Ayres de Souza, 30 anos, procurava encontrar algumas das 40 que faltam para completar o álbum. Levou junto a namorada, Hellen. Afinal, é ela que lhe ajuda na colagem.
 
Muitos colecionadores se recusam a comprar, acham que o legal é fazer a troca. Com a lista de figurinhas faltantes à mão, Rafael Oliveira conferia em outras listas se havia alguma de seu interesse. Ao lado, a esposa Thais com o filho de 9 meses dormindo no carrinho. 
 
Alguns metros depois, um grupo
de adolescentes “trocava figurinhas”, literalmente. Alguns já são amigos, outros fizeram amizade no local. “Tem o álbum virtual, mas não é tão divertido”, diz Pedro Henrique (15), que veio de Guarujá com Nicolas (16), Ramirez (15) e Giovanni (15), somente com esta finalidade. “Pela internet não tem contato humano”, completou Giovanni, numa afirmação surpreendente para um integrante de sua geração.

Negócio lucrativo

No mercado das trocas, as  figurinhas mais raras vale mais que muitas outras, mais comuns. Entre as figurinhas do álbum, uma das mais raras é a de Neymar, que pode ser comprada por R$ 10 na banquinha improvisada na avenida Ana Costa por Renan Marequetti, 21 anos, que desde 2006 se lança neste comércio. Ao seu lado, outros jovens e adultos montaram  bancas, algumas até aceitam cartão de crédito. Uma figurinha custa R$ 0,50 (jogador de outras seleções); R$ 2 (jogador brasileiro); cromo brilhante, R$ 5. As estampas mais difíceis de serem encontradas têm preço variável. 
 
Renan investiu R$ 1 mil na compra de 5 mil figurinhas. Depois disso já fez outros três investimentos. Ela não conta quanto faturou, mas garante que vale a pena. “Tem gente que quer o álbum, mas não tem tempo de ficar colecionando, aí vem aqui e compra o que precisa”. O álbum cheio custa R$ 300 e, segundo Renan, tem quem compre para dar de presente ou simplesmente ter como recordação.
 
Quem soube guardar álbum antigo pode faturar uma grana boa, caso queira. Em alguns sites de vendas pela internet, raridades são comercializadas a mais de R$ 1 mil. Álbuns completos dos Mundiais de 70 a 86 são os mais procurados. Em grupos no Facebook, diversas ofertas são feitas na tentativa de comprar ou vender grandes coleções. No grupo “Álbum de Figurinhas da Copa do Mundo 2014 – troca-troca e encontros”, alguns integrantes oferecem álbuns completos para os demais colecionadores.
 
8 milhões de colecionadores 
A editora Panini, empresa licenciada para fabricar o álbum oficial da Copa, tem como meta atingir cerca de 8 milhões de colecionadores no país. O álbum brochura custa R$ 5,90 e o de capa dura, R$ 24,90. O envelope com cinco figurinhas custa R$ 1. São 19 cromos de cada seleção, 17 de jogadores, uma do time e outra, metalizada, do escudo. Para completar o álbum, são necessárias 639 figurinhas. A empresa estima que um colecionador gastará em média R$ 128, o que corresponderia a ganho de R$ 1,024 bilhão.
 
Os irmãos Panini eram desde 1945 donos de uma banca de jornal em Modena, na Itália. Em 1954 fundaram uma companhia de distribuição de jornais que, mais adiante, virou uma fábrica de álbuns de figurinhas. Eles se tornaram líderes mundiais no setor e faturam 650 milhões de euros (1,7 bilhão de reais) por ano.  O primeiro álbum produzido pela Panini, do Campeonato Italiano da temporada 1961/62, é avaliado em 3 mil euros (cerca de R$ 9 mil). O de 1962/63 pode valer até mais, porque são menos as cópias ainda existentes.
 
Ajuda da tecnologia
O aplicativo Panini Collectors, que permite aos usuários organizar suas figurinhas do álbum da Copa do Mundo de 2014, foi lançado para android, iPhone e iPad. Por meio do app, os colecionadores podem digitalizar suas figurinhas e organizar os cromos em três categorias: tenho, preciso e lista de troca. O software não permite a interação entre usuários, mas facilita a brincadeira, já que o colecionador não precisa anotar o número das figurinhas que faltam para completar o álbum em um papel ou ainda andar com a publicação embaixo do braço na hora de negociar os cromos repetidos.
 
Mania Antiga
A mania de colecionar figurinhas de jogadores vem do começo do século passado. O álbum pioneiro no Brasil começou a circular no início dos anos 1900, por meio da tabacaria Estrela de Nazareth, cada uma das 60 figurinhas correspondia a uma bandeira de um país. Mas as figurinhas só foram cair no gosto popular depois do lançamento do álbum de estampas dos sabonetes da então recém-inaugurada Eucalol, em 1925. Foi uma estratégia de marketing da empresa para se fixar no mercado. Quem comprava uma caixa com três sabonetes ganhava de brinde três figurinhas. Nos anos seguintes, vieram os famosos álbuns de balas (Balas Futebol, Balas Cinédia, Balas Fruna, Balas Ruth), que fizeram sucesso com o público infantil e, a exemplo do que aconteceu com a Eucalol, alavancaram a indústria de doces. O primeiro álbum oficial só sobre futebol (os anteriores misturavam os assuntos) só chegou ao Brasil em 1950.