E, para dar liga, uma leve mistura com o improviso do Jazz. Talvez esteja aí a receita do Samba Jazz, que surgiu no começo dos anos sessenta,como uma nova maneira de se tocar música instrumental. E também a Bossa Nova.
E o primeiro passo foi dado pelo violonista brasileiro Laurindo de Almeida, no ano de 1953, quando gravou ao lado do saxofonista Bud Shank o disco “Brazilliance” em Los Angeles, com um repertório totalmente brasileiro com a linguagem do Jazz. Na época, uma ousadia e uma situação absolutamente inovadora.
E anos mais tarde, no início dos anos sessenta surgiram os trios – com piano, contrabaixo e bateria (formação clássica do Jazz), que começaram a tocar temas brasileiros com as improvisações jazzísticas. E logo esta sonoridade arrojada caiu nas graças do público, se propagando rapidamente com o nome de Samba Jazz.
Outra vez cito o Beco das Garrafas, no Rio de Janeiro, mais precisamente na esquina da Rua Duvivier, em Copacabana, local onde ele germinou, embalando festas, shows, romances e muito mais. E depois ganhou o mundo, quando vários de seus discípulos foram abrir novos caminhos no exterior, levando na bagagem esta sonoridade tão marcante.
Vários nomes merecem destaque: Tamba Trio, Sérgio Mendes, Luiz Carlos Vinhas, Som 3, Rio 65, J.T. Meirelles, Edison Machado, Zimbo Trio, Sambalanço Trio, Dom Um Romão, Jongo Trio, Milton Banana Trio, Manfredo Fest, entre tantos outros que no Rio e em São Paulo tocavam e divulgavam esta nova vertente.
E não pense você que esta sonoridade se perdeu no tempo e espaço. Assim como a Bossa Nova, o Samba Jazz atualmente está sendo gravado por diversos intérpretes, provando que a boa música tem espaço sim e que o público a assimila muito bem.
Cinquenta anos depois, revigorado, o ritmo foi recentemente revisitado e atualizado pelos músicos Marcos Paiva “Meu Samba No Prato – Tributo a Edison Machado”, João Parayba “O Samba no Balanço do Jazz” e Leo Gandelman “Vip Vop”. E mais, Hamleto Stamato (excepcional pianista que já destaquei aqui na coluna), o Sambajazz Trio, Duduka da Fonseca, Beto Bertrami, David Feldman e tantos outros. E quando Sérgio Mendes regravou “Mas Que Nada”, ao lado do grupo Black Eyed Peas, anos atrás, provou para o mundo que o ritmo é muito atual e cosmopolita.
O Samba Jazz está no presente. Não podendo apenas faltar seus ingredientes principais: uma vigorosa sonoridade, uma intensa criatividade dos arranjos e a inventividade dos improvisos.
Ella Fitzgerald – “Ella Abraça Jobim”
Para mim este álbum é fundamental. Foi gravado em apenas quatro dias no início da década de oitenta e lançado pelo selo Pablo, que na época lançou discos muito importantes de alguns dos maiores nomes do Jazz.
E a fantástica Ella Fitzgerald, considerada como a primeira dama do Jazz, foi um destes nomes que tiveram a sorte de ter seus trabalhos lançados pelo selo, e este trabalho, dedicado exclusivamente ao nosso maestro Tom Jobim, teve a produção do competente Norman Granz e os arranjos e direção da orquestra de Erich Bulling.
E apesar de ser um “songbook”, curiosamente ele não entra na lista oficial de “songbooks” que Ella gravou nos anos sessenta, homenageando diversos compositores e que viraram verdadeiras obras-primas.
Foi lançado como álbum duplo em vinil (que ainda tenho a sorte de ter o original) e ganhou a esperada versão em CD apenas no ano de 1991, com dezessete temas, dois a menos que a versão original. Nada que comprometa, e você deixará apenas de ouvir “Don’t Ever Go Away”, versão de “Por Causa De Você” e “Song Of The Jet”, versão de “Samba Do Avião”. Belas gravações que só estão nas “bolachas”.
Outro ponto importante foi a seleção de músicos escalados: Clark Terry no trompete, Zoot Sims no sax tenor, Joe Pass na guitarra, Toots Thielemans na harmônica, Abraham Laboriel no contrabaixo, Alex Acuna na bateria e os brasileiros Oscar Castro Neves no violão e Paulinho da Costa na percussão entre outros.
Destaque para algumas versões cantadas em português, carregadas de um sotaque simpático e as minhas preferidas são “Dreamer” (Vivo Sonhando), “Triste” e “Dindi” em levadas mais românticas e “Useless Landscape” (Inútil Paisagem), “One Note Samba” (Samba de Uma Nota Só) e “Water To Drink” (Água De Beber) com “scats” de arrepiar, marca registrada de Ella Fitzgerald. Só ficou faltando a participação do grande homenageado.
Sarah Vaughan – “Brazilian Romance”
Três anos antes de falecer, a cantora Sarah Vaughan, outra grande diva do Jazz, também visitou o repertório brasileiro. E não foi a primeira vez que “Sassy”, como era carinhosamente chamada, fez isso na sua vitoriosa carreira.
Em 1987, pelo selo CBS, lançou “Brazilian Romance”, outro disco com fortes influências do Brasil e que foi seu penúltimo trabalho. O último, foi ao lado de Quincy Jones em “Back On The Block” (1989) na inesquecível gravação de “Setembro”, tema de Ivan Lins. Uma emocionante despedida.
A produção do disco foi assinada pelo premiado Sérgio Mendes e os arranjos por Dori Caymmi. E contou com as participações de George Duke nos teclados, Alphonso Johnson no contrabaixo, Carlos Veja na bateria e também Milton Nascimento nos vocais, Hubert Laws na flauta e Tom Scott e Ernie Watts nos saxofones.
A sonoridade do disco surpreende pela modernidade e também pelo refinamento da orquestra de cordas, que deu um colorido todo especial ao trabalho.
A canção “Love And Passion”, com a participação de Milton Nascimento, ficou perfeita. E também “So Many Stars”, “Photograph”, “Wanting More” e “Romance” merecem meu destaque.
No ocaso da sua carreira, Sarah Vaughan apresentou um trabalho com pitadas do “smooth jazz”, pianos elétricos e sintetizadores. Ares de ousadia para esta cantora tão tradicional.
Sua voz permanece forte e marcante e nas dez faixas do disco podemos conferir todo seu talento e competência. Divina e incomparável.