Nas rodas de amigos, nas redes sociais, nos ambientes de trabalho explodem manifestações de indignação diante de notícias de corrupção, miséria ou violência, mas muitas dessas vozes são das mesmas pessoas que não vacilam em dar um jeitinho para obter vantagem.
Quando se fala na falta de ética logo o pensamento se reporta à figura do político ou empresário inescrupuloso, mas alguns comportamentos do dia a dia são interpretados como exemplos do “jeitinho brasileiro” ou, no máximo, falta de educação. Furar fila, jogar lixo no chão, tentar subornar o agente de trânsito, fazer fofoca pelas costas são atitudes que, embora criticadas, acabam toleradas pela sociedade. Até porque usar a influência de um conhecido para conseguir resolver um problema ou favorecimento não é visto como algo grave.
Para a filósofa Márcia Tiburi, autora de diversos livros, exige-se e reclama-se da falta de ética, mas a maioria não sabe exatamente o que quer dizer com isso. Segundo ela, falta reflexão, falta pensamento crítico, falta entender “o que é” agir e “como” se deve agir. “Para que a ética inicie é preciso sair da mera indignação moral baseada em emoções passageiras, que tantos acham magnífico expor, e chegar à reflexão ética”.
Ausência de reflexão
Em outras palavras, a pessoa tem que aprender a pensar. “No nosso Brasil, pensa-se pouco. Reflete-se pouco. E isso porque grande parte da população não lê, não estuda, não busca esclarecimento. Se existisse um projeto nacional de educação certamente deveria priorizar a experiência filosófica, ética, que promovesse autocompreensão e cidadania”, constata a filósofa. Ao contrário, vivemos a cultura do indivíduo que deve trabalhar muito, consumir muito e pensar pouco.
Segundo a pensadora, ética é o que diz respeito ao modo de nos comportamos e decidirmos nosso convívio e o modo como partilhamos valores e a própria liberdade. “Agir de modo a manter o direito de ser e estar de outra pessoa, sua integridade e dignidade, independentemente de qualquer de suas características físicas ou sociais. Essa atitude ética nunca é simplesmente moral. Entre moral e ética há uma distância a ser considerada”.
Quando o discurso é um e o ato é outro
A expressão de indignação é uma prática de discurso que pode muito bem ocultar outras práticas, em sua opinião. “Em geral, o moralista é aquele que prega o que não pratica, que fala sem ver-se a si como exemplo prático. Ele não julga a si mesmo, porque se tem a si mesmo como juiz. Ele é dono da verdade que usa contra o outro. Temos que tomar cuidado com as ondas de “julgamento moral que andam por aí”, alerta.
Márcia Tiburi enfatiza que a atitude ética sempre começa com uma autocrítica. “Certamente ela falta ao moralista. Nossa sociedade anda muito moralista, mas ao mesmo tempo há muita gente em dúvida quando ao que significa ser brasileiro em um país colonizado, abusado e aviltado”.
Ética e moral, significados diferentes
No contexto filosófico, ética e moral possuem diferentes significados. A ética está associada ao estudo fundamentado dos valores morais que orientam o comportamento humano em sociedade, enquanto a moral são os costumes, regras, tabus e convenções estabelecidas pela sociedade. Os termos possuem origem etimológica distinta. A palavra “ética” vem do grego “ethos” que significa “modo de ser” ou “caráter”. Já a palavra “moral” tem origem no termo latino “morales” que significa “relativo aos costumes”. Além dos princípios gerais que norteiam o bom funcionamento social, existe também a ética de determinados grupos ou locais específicos, como ética médica, ética profissional (trabalho), ética empresarial, ética educacional, ética nos esportes, ética jornalística, ética na política e outros.
Exaltação à malandragem
A malandragem tornou-se algo natural e isso é perigoso para uma sociedade, sobretudo como a nossa em que a hipocrisia é a regra – adverte a filósofa. “A hipocrisia e o cinismo compõem a moral atual. Uma moral invertida que baseia todos os comportamentos. Uns mentem, outros aceitam a mentira. Talvez, no entanto, as pessoas estejam se dando conta de que são otários do governo, da imprensa… as manifestações dos últimos tempos alertam para uma novidade. Talvez esteja nascendo uma contraconsciência”.