Muitos vivem em busca de um final feliz, mas, para conquistar esta possibilidade, a artista-plástica JENNIFER WILLIAMS WIEGAND precisou correr muito atrás. Nascida em Nova York, no seio de uma tradicional família quatrocentona, ela sobreviveu ao famoso incêndio do edifício Joelma, em São Paulo, que vitimou o seu pai, um colecionador de arte brasileira. Viveu em Santos, São Paulo e Monte Verde, em Minas Gerais, e hoje mora num paraíso – Bahamas – depois de ter chegado ao fundo do poço. A arte foi a salvação desta mulher que se casou aos 17 anos e hoje é mãe de oito filhos. Já foi modelo consagrada, estampou a capa das principais revistas, e pode ser vista em Santos, dia 8 de fevereiro, às 19h30, durante a exposição A Leveza do Ser que fará no espaço Tremendão e poderá ser visitada durante uma semana. Com exclusividade, revela tudo numa entrevista que é mais que uma lição de vida.
Você é de Nova York, mas sempre diz que é do Brasil. Por quê?
Porque foi no Brasil que vivi minha infância, adolescência e o meu “coming of age” ou seja, a epifania, que vem com o aprendizado dos tapas na cara que a vida nos dá e permitiu que eu me libertasse de tudo que me foi ensinado sobre a vida, para finalmente saber o que seria melhor para mim e meus filhos.
O incêndio do edifício Joelma começou na sala de seu pai, que morreu minutos depois. O que mais marcou você, deste traumático episódio?
Durante muitos anos depois da morte do meu pai neste incêndio, perdi a confiança em qualquer tipo de estabilidade.
Em que os anos entre Santos, São Paulo e Monte Verde serviram para moldar sua personalidade?
O fato de ter levado uma vida transitória, entre cada um desses lugares, me deu mente aberta e a sensação de que nada é eterno. Minhas primeiras memórias de vida vêm de Belo Horizonte, primeiro posto de trabalho do meu pai no Brasil, mas foi em Santos, para onde mudei com três anos, que graças a nossas assistentes domésticas e ao maternal do colégio Oswaldo Cruz, eu me tornei 100% bilíngue. Meus pais sempre fizeram questão de nos integrar na comunidade, permitindo que fôssemos passar o dia na casa da cozinheira ou do caseiro no outro lado dos trilhos do trem… ou no morro.
Que lembranças você tem desse período?
Passei alguns sábados visitando o orfanato Gota de Leite com meu pai, enquanto ele fazia serviço voluntário por lá. Essas experiências gravadas no âmago são parte importante de minha formação. Eu me sinto muito privilegiada por não ter apenas testemunhado a vida expatriada de muitos dos sócios gringos do Clube dos Ingleses, ou do Clube de Golf de São Vicente. Logicamente, em São Paulo, lembro das visitas ao MASP, à Bienal e as feiras-hippies da Praça da República e no Embu, que serviram para abrir meus olhos para o mundo da arte.
Você diz que foi criada como uma criança do terceiro mundo, um termo dado aos filhos de expatriados. Como foi isso?
Na verdade ,”criança de terceiro mundo” é um termo que se aplica para crianças de países pobres de terceiro mundo, e não fui criada com uma, mas testemunhei de perto a vida de várias. Quanto à minha experiência de vida como filha de expatriada, dá matéria para um livro inteiro! Imagine só as diferenças culturais do dia a dia! Vim de uma família não muito conservadora para uma sociedade de quatrocentões com cinco sobrenomes que tocavam sininho na mesa para serem servidos por assistentes uniformizadas, as quais, de acordo com as leis da sociedade brasileira dos anos 60 e 70, deveríamos nos dirigir somente o necessário sem formar nem um tipo de relacionamento pessoal… pois eram tratadas como descartáveis!
Como foi estudar em escolas americanas?
Fui estudar em escolas americanas ou internacionais porque são creditadas nos EUA, e não sabíamos qual seria o próximo posto do meu pai. Nessas escolas, tínhamos alunos do mundo todo desde a Dinamarca até a China. Estudávamos das 8h às 15h. As aulas eram mais longas que nas escolas brasileiras, as classes menores e os professores, super-respeitados, nos cativavam com as próprias experiências internacionais. Não era obrigatório escolher entre exatas ou humanas no colegial. Outra coisa que lembro do colégio primário é que meus amigos brasileiros viviam fazendo cópia e decorando coisas, enquanto nós fazíamos mais pesquisas e escrita de textos próprios. Além das aulas, fazíamos atividades extracurriculares, como aulas de teatro, clubes de xadrez e até culinária.
Como, quando e por que começou a pintar?
Comecei a pintar com 11 anos em São Paulo, quando herdei o cavalete e as tintas a óleo de meu pai. Acredito que devo ter pintado um pouco mais de 100 quadros, pois durante muitos anos não pintei nada! A maior parte desses trabalhos eu fiz durante os últimos cinco anos.
De que maneira a arte foi usada para o processo de autodescoberta?
Na verdade, minha arte só virou processo de autodescoberta quando me permiti a perder o controle e parei de planejar meus trabalhos. Três anos atrás, tive um “break through” quando parei de visualizar um resultado final e comecei a aplicar a tinta diretamente na tela sem pensar, pois na verdade é assim que vivo a minha vida, sempre me atirando nos relacionamentos e projetos, sem me preocupar com o futuro, vivendo cada momento por si só. Poder fazer isso com minha arte dá uma sensação de liberdade que me traz felicidade total!
O que a arte pode dizer sobre uma pessoa?
Absolutamente tudo. A arte é seu veículo de comunicação, é o espelho da alma e da personalidade de alguém.
Como foi casar aos 17 anos?
Foi igual a brincar de casinha… mas tive que aprender a cozinhar de verdade!
E o que tem a contar sobre a carreira de modelo?
Fui “descoberta” pelo Lucio Mariucci, talentoso fotógrafo de Santos que mandou meu book para agência dele em São Paulo. Em seguida, comecei a trabalhar, às vezes, sete dias por semana, fazendo comerciais, editoriais, anúncios, catálogos etc. Naquela época não tinha muita competição, então dava para ganhar uma grana legal. Posso adicionar que é a carreira menos glamourosa que já tive!
Por quê?
Demorava 18 horas para gravar um comercial de um minuto. O que mais detestava era perder um tempo que poderia ser aproveitado com meus filhos para ter de passar o dia inteiro esperando cabeleireiro, maquiador, estilista, fotógrafo, e diretor de luz “alinharem os planetas” para executar o trabalho!
Como é ser mãe de oito filhos, e como se dividiu para cuidar de todos eles?
Sei que, com os primeiros sete, não dei a atenção que cada um merecia. Sendo uma escadinha, o mais novo sempre ganhava mais atenção não só de mim, mas dos irmãos mais velhos que sempre ajudaram muito. Se não cuidei de mim naquela época, não foi por causa dos filhos, mas por causa de minhas próprias péssimas escolhas. Foram eles que sofreram mais com isso.
Hoje você vive em Bahamas. Por que escolheu este lugar para viver?
Cansamos da vida genérica dos subúrbios da Carolina do Norte, para onde fui quando saí do Brasil, em 1998. Nós nos apaixonamos pelo turquesa do mar e os peixes e corais que existem aqui, num verdadeiro jardim do Éden submerso.
Dizem que é preciso chegar ao fundo do poço para reagir. Como foi sua virada pessoal e profissional?
Quando percebi que minha falta de escolhas corretas estava prejudicando meus filhos, acordei. Assim que tomei a decisão de mudar tudo, minha família nos EUA me deu todo apoio para recomeçar minha vida e a de meus filhos.
O que você diria para alguém que está chegando ao fundo do poço?
“Quando você estiver pronto a se dar o devido respeito, estarei aqui para te apoiar”. Cada um tem que passar por sua própria viagem e descobrir por si só como chegar à luz. Não posso ensinar a ninguém como viver, mas posso oferecer companhia e conforto quando esta pessoa permitir.
JOGO RÁPIDO
Amor: equivale a respeito absoluto e incondicional a todos. O resto é paixão ou patologia.
Sexo: algo que muda com a idade.
Característica: criatividade.
Sonho: um mundo sem violência.
Medo: deve ser encarado.
Vida: um constante exercício de como levar uma jornada pacífica em direção à morte.
Arte é: talento de expressão de muitos, mas que poucos têm o privilégio de compartilhar.
Jennifer por Jennifer: Uma caixa de constantes surpresas.
Frase: “Se cair sete vezes, levante-se oito”.