Naquela oportunidade enfoquei o nascedouro das atividades portuárias, ainda rudimentares, com a consequente implantação de um núcleo populacional, que, posteriormente, se tornaram a cidade e o porto de Santos.
Naturalmente, naquela fase embrionária, de ambas as figuras, não havia questionamentos em suas convivências.
O núcleo populacional somente surgiu para apoiar as atividades portuárias rudimentares.
O tempo passou. A antiga vila, que abrigava uma capela e um hospital, se tornou uma respeitada cidade e os antigos trapiches deram lugar ao moderno Porto de Santos, implantado e operado por uma empresa privada, denominada Cia. Docas de Santos, projetando o nome e a história da cidade, nacional e internacionalmente.
A frase do “viveram felizes por muitos anos” pode ser aplicada para o porto e a cidade de Santos. Houve pouquíssimos enfrentamentos conflituosos entre estas duas figuras que utilizam o nome de Santos. Envolviam algum foco muito específico e não se transformaram em tradição.
A história demonstra que, durante quase um século, as relações entre o porto e a cidade eram excelentes, mesmo sem contarem com os requisitos institucionais atualmente defendidos.
O porto não era administrado localmente e a cidade não participava de sua gestão. A empresa Cia. Docas de Santos tinha sede no Rio de Janeiro. Não havia nenhuma Secretaria Municipal para tratar do porto.
Então, como podemos explicar a boa convivência entre o porto e a cidade?
Primeiramente, porque o modelo portuário vivenciado naquela época era completamente diferente do atual. As atividades portuárias concentravam-se efetivamente dentro da área do porto. Poucas atividades operacionais eram realizadas fora de seus limites. Não existiam terminais retroportuários, transportadoras, pátios de caminhões, como exemplos, fora do porto.
Todos sabiam exatamente onde era porto e onde era cidade.
Fora do porto estavam os armazéns de café, vários deles espalhados em bairros da cidade.
Conviviam perfeitamente com a cidade, exalando aquele gostoso cheirinho de café, que os mais antigos de nossa querida cidade podem ser lembrar.
As atividades portuárias e os armazéns externos praticamente não funcionavam durante a noite e pouquíssimas vezes permaneciam abertos em feriados e finais de semana.
Também naquela época, em função do antigo modelo portuário, as cargas eram movimentadas de forma mais lenta, os navios permaneciam dias atracados, os marinheiros se entrelaçavam com a população local.
As cargas eram movimentadas com baixa mecanização. Para isso, o porto precisava de muita mão de obra, gerando então muito trabalho e distribuindo grande remuneração.
Como alguém iria questionar a relação da cidade com uma instituição, o porto, que, quanto mais crescia, mais empregos e mais dinheiro disponibilizava para a cidade?
Ainda mais quando se considera que naquela época existiam áreas disponíveis para ambos crescerem. O porto pouco incomodava a cidade e essa sabia que precisava dele. A relação cidade-porto, então, era cheia de flores e amores. Aquele modelo portuário permitia aquele ambiente de relações.
Entretanto, aquele modelo portuário acabou. O atual modelo portuário é completamente diferente e, portanto, não é novidade que suas consequências também não sejam iguais ao passado.
Já tivemos momentos em que a relação cidade-porto não era tema de extrema necessidade. Hoje precisamos “discutir a relação”.