Para quem tem acompanhado meus posicionamentos na coluna Perimetral, pode parecer maluquice o título desta semana. Fica a impressão que tenho defendido a importância da relação entre o porto e a cidade, como algo que seria válido apenas em algumas situações.
Na verdade, não fica apenas esta impressão, pois novamente afirmo que já houve tempo em que a relação cidade-porto não tinha importância e não era tema que preocupasse os cidadãos desta região ou cidade.
Basta lembrarmos que a Cidade de Santos, antes de ser uma cidade ou vila, era simplesmente um local escolhido para a parada e operações de cargas e descargas das caravelas, substituindo os antigos pontos na Vila de São Vicente e na entrada do canal do estuário, que haviam sido considerados inseguros.
Logicamente, nesta época, por volta de 1536 ou 1539, segundo o grande urbanista Francisco Prestes Maia, em seu livro “Plano Regional de Santos”, de 1950, somente havia na região locais destinados às atividades portuárias, ainda rudimentares. A presença da capela e da primeira Santa Casa das Américas não configurava um conceito de cidade e, portanto, não havia conflitos.
Não se discutia se as atividades com as caravelas prejudicavam a capela ou o hospital, pois, na verdade, capela e hospital chegaram depois das caravelas.
A região atualmente ocupada pelo centro histórico da cidade de Santos havia sido escolhida para ser um porto e a cidade foi necessária apenas para abrigar a população, ou seja, os trabalhadores, que precisariam estar o mais próximo possível das atividades definidas para a região.
Essa prática de gerar núcleos habitacionais, para dar apoio a alguma atividade principal, sempre foi tradicional nas colonizações dos países e se manteve presente durante o desenvolvimento de nossa nação.
São bem conhecidas as vilas de colonos, implantadas pelos grandes fazendeiros, com o intuito de garantir mão de obra para suas atividades.
As pessoas que se dirigiam para a região do nascedouro porto de Santos iam para aquela região da Ilha de São Vicente, justamente para atuar nas atividades com as caravelas e, portanto, não tinham interesse ou necessidade de debater se tais atividades eram positivas ou negativas para o local.
Se havia uma população na região que poderia questionar a presença “portuária rudimentar”, na nova região, seria a dos índios tamoios, que ocupavam grande parte litorânea de nosso Estado, incluindo a escolhida para o novo porto, conforme destaca o livro de Prestes Maia.
Fica claro, então, que o nascedouro do porto de Santos e da futura vila e Cidade de Santos gerou um momento específico, no qual ninguém pensava ou debatia sobre a relação cidade-porto.
Ninguém estava preocupado ou questionando o movimento dos tropeiros com suas mulas carregadas, que chegavam à região para entregar ou receber cargas envolvidas nas operações das caravelas.
A relação da população, crescente na região, com as atividades portuárias rudimentares era, na verdade, uma relação exclusivamente com interesses econômicos. Com a ótica da abertura de novas oportunidades de trabalho e de desenvolvimento econômico.
O surgimento da cidade era apenas um detalhe, necessário sim, mas apenas um detalhe.
Certamente, se fosse perguntado, para a população que se avolumava, se preferiria defender a pequena vila ou defender as rudimentares atividades portuárias, dificilmente ficaria do lado dos possíveis debatedores dos conceitos de urbanização e qualidade de vida, da ainda sonhada Cidade de Santos.
Certamente, naquela época não havia importância para a relação cidade-porto. Porque não havia nem cidade e nem porto. Estavam apenas sendo gestados.