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Acordando para a transição

19/03/2016
Acordando para a transição | Jornal da Orla
Carlos estava sentado no banheiro, em meio a um mar de chapas de gesso, em plena reforma. O filho de treze anos entrou e perguntou:
-Qualquer dia desses você me leva para jogar futebol, pai?
Carlos segurou o “não” entre os dentes e combinou que, na sexta-feira, após o colégio, ele apanharia o filho e um amigo e iriam à praia jogar futebol.
A sexta-feira chegou com uma chuva fina e Carlos queria desistir do programa. Pela chuva e pela reforma do banheiro, que não estava concluída.
Mas, na hora marcada trocou a roupa, colocou a bola no porta-malas  e esperou os dois saírem da escola.
Quando seu filho entrou no carro, olhou perplexo para o pai e perguntou por que ele estava com luva de goleiro.   -Ora, disse o pai, não vamos jogar futebol?
-Você também vai? Frisou o menino.
Então, Carlos entendeu. Ele não tinha sido convidado. Em poucos segundos, passaram pela sua cabeça os treze anos de paternidade.
O nascimento. As fraldas. As mamadeiras. Os deveres do colégio. Os consertos de bicicletas. Idas a jogos. Acampamentos. Sempre juntos, ele e o filho.
Agora, aquilo. Tinha vontade de gritar. Perguntar como é que ele podia fazer aquilo com ele. Eles eram ou não eram uma dupla?
Precisava dizer como estava magoado. Contudo, disfarçou com uma interrogação:
-Eu? Jogar? Você sabe que estou cheio de coisas para fazer em casa.
Deixou o filho e o amigo na praia e voltou para casa.
Pelo caminho, ia pensando o que poderia acontecer com seu garoto.
Será que ele poderia se machucar em algum lance do futebol? E se caísse um raio? E se tivesse uma briga?  Dentro de si, uma sensação de que um elo se rompera. A vida nunca mais seria a mesma. Estava sozinho. 
Entrou em casa com a cara de um adolescente que se sente rejeitado pela turma. Quando a esposa lhe perguntou por que voltara tão cedo, fez ar de abandonado e lamuriou:
-Não fui convidado.
 
Ela riu. Ele ficou muito ofendido. Depois, deu-se conta de sua imaturidade, e riu também. Retornou à reforma do banheiro, matutando. A vida é assim mesmo. Ele tinha preparado seu filho para aquele momento, desde que ele nascera.
Não para jogar futebol com ele, mas jogar no mundo sem ele. Com suas próprias pernas. Suas estratégias. Sua confiança.
 
Lembrou de si próprio. De como seu pai lhe fora descortinando perspectivas novas, a cada ano. Abrindo-lhe espaço para crescer.
 
Era isso: seu filho estava se transformando num homem.
Algumas horas mais tarde, o filho voltou. Carlos continuava imerso na reforma do banheiro, que parecia interminável.
 
Ouviu os passos dos tênis encharcados, em direção ao banheiro. E as reclamações, desde que ele adentrara o lar.
 
-A areia estava muito fofa. O jogo estava horrível. Ele não conseguira acertar os passes.
 
Ainda molhado, olhou para o pai e convidou:
-Você pode me levar para jogar um outro dia? Estou precisando de ajuda.
Carlos o olhou, cheio de amor e lhe disse: -Claro, meu filho, quando você quiser.
Celebrou intimamente e disse em pensamento ao Grande Arquiteto do Universo:
-Obrigado por me deixar fazer parte desse maravilhoso processo de transformação.
 
[com base em texto de Bob Welch e da Redação do Momento Espírita]
 
Não há amizade, não há amor que se compare ao amor de um pai e de uma mãe pelo seu filho ou filha. Nada modifica isso. Nem a idade, nem o tempo, nem a maturidade.
 
PAZ, SAÚDE E PROSPERIDADE