Com o desfile da escola de samba Grande Rio ainda em curso, nas redes sociais, já podiam ser verificadas as insatisfações de muitos santistas.
As reclamações iam desde o centralismo futebolístico, até a falta de destaques para os nossos personagens e locais tradicionais e da sua relação com a história brasileira.
Os prenúncios do evento já apontavam para estes cenários e, portanto, não podem ser debatidos como resultados imprevistos. A agremiação de Duque de Caxias definiu Santos como a cidade do futebol quando anunciou o enredo para o carnaval de 2016: “De Neymar a Pelé, Santos, a Grande Rio dá Olé”.
Decorridos poucos meses, a escola divulgou uma tentativa de novo direcionamento para a homenagem: “Eu fui no Itororó beber água, não achei, mas achei a bela Santos e por ela me apaixonei”. Pelo que foi visto, prevaleceu a marca de Santos como a cidade do futebol.
O foco foi para o Santos, o time de futebol, que também tem todo o direito de ser homenageado por sua história, seus personagens e feitos. Então, não deveria ter sido anunciado como sendo uma homenagem à cidade, e sim ao glorioso time de futebol – e, repito, teria sido justo.
Também não é surpresa que fatos históricos e relevantes para uma sociedade sejam substituídos pelo futebol, numa nação onde grande parte da população somente se lembra da bandeira nacional em épocas de copa do mundo, esquecendo-a totalmente, inclusive do verde e amarelo, na data máxima nacional, 7 de setembro.
Mas, afinal, por que numa coluna com foco portuário, debruço-me sobre um evento carnavalesco?
Os debates atuais ajudam a demonstrar a falta de ligação clara e tradicional de Santos com sua verdadeira vocação, a atividade portuária, responsável por cerca de 65% de suas atividades econômicas.
Talvez, se o carnavalesco carioca vislumbrasse uma clara ligação da comunidade santista com seu porto e sua história, teria adotado outros possíveis enredos. “De Braz Cubas a José Bonifácio, Santos, a Grande Rio dá Olé!”, ou, então, “Da sacaria ao contêiner, Santos, a Grande Rio dá Olé!”. São títulos apenas como sugestões provocativas, objetivando destacar como, talvez, estejamos distanciados de nossa história e de nosso porto.
Para citar alguns exemplos, com um roteiro portuário teria sido possível falar da primeira Santa Casa do país, fundada para viabilizar a atividade as atividades portuárias na antiga vila e valorizar os nossos especiais canais, com as suas tradicionais catraias cruzando o canal do porto.
Com o navio Kasato Maru e o desembarque dos primeiros imigrantes japoneses, enfocaríamos a participação tão importante da imigração, para a formação da nação brasileira. Poderíamos ter relembrado o navio Raul Soares, que, atracado no Porto de Santos, ou fundeado na barra, foi utilizado como prisão de oposicionistas ao regime militar.
Teríamos analisado a evolução do comércio exterior brasileiro, desde a época do açúcar e café até os dias atuais, com os contêineres, caminhões, trens e os megaconteineiros, que continuam mantendo o porto e a cidade de Santos como responsáveis por cerca de 32% de nossa balança comercial. Valorizaríamos os empreendedores portuários, dos trapiches aos atuais modernos terminais, e também os trabalhadores portuários, suportando até seis sacos de café até os atuais operadores dos modernos portêineres. Teria sido possível encerrar o desfile, em grande estilo, ligando as cidades de Santos e Rio de Janeiro, com o Hotel Copacabana Palace e a Cia. Docas de Santos, como empreendimentos geridos durante muitos anos, nas duas cidades, pelos Guinle, uma tradicional família carioca.
Vamos continuar sendo vistos como a cidade de um grande time de futebol, que tem um porto e sua história, como um mero detalhe? Ou vamos trabalhar para que nos vejam como uma cidade portuária, com forte influência na história brasileira e que tem também tem um grande time de futebol?
O que nós todos estamos fazendo para que nos vejam como uma cidade portuária? A imagem que identificam de nossa cidade depende primeiramente de como nós a vemos e a apresentamos.
Enfim, precisamos responder: Queremos ser a Santos Portuária, com história, ou a Santos do Futebol?