Santos

A Baixada Santista nas mãos de Deus

16/01/2016
A Baixada Santista nas mãos de Deus | Jornal da Orla
Apenas nove meses após o incêndio da Ultracargo na Alemoa, a Baixada Santista, mal refeita do susto, volta a ser assombrada por um acidente de grandes proporções envolvendo produtos químicos. Até sexta-feira (15), as circunstâncias do incêndio iniciado um dia antes, no Terminal da Localfrio, em Guarujá, e os reais riscos à saúde da população pareciam envoltos em uma névoa tão densa quanto a nuvem gigantesca e impregnada de substâncias tóxicas que invadiu o ar da região, levando centenas de pessoas aos prontos-socorros.
 
Mais uma vez, fica a sensação de estarmos cercados de bombas-relógios, sem controle rígido de segurança, em uma região que abriga o maior porto da América Latina, a Refinaria da Petrobras e o polo petroquímico de Cubatão, com instalações de alta periculosidade.
 
O desencontro de informações e a falta de coordenação política diante de situações como essas fomentam ainda mais a sensação de insegurança da população. O incêndio foi dado como debelado 24 horas após seu início (por volta das 15h30 de quinta-feira), mas os medos e as incertezas permanecem, alimentados por boatos e temores reais, como a permanência da nuvem tóxica e a existência do cinturão combustível que abraça a Baixada Santista.
 
Na sexta-feira (15), o consultor de meio ambiente Hélio Lopes disse que ainda era muito cedo para analisar a situação. Segundo ele, todo contêiner que chega passa por inspeção e, se constatada alguma avaria, o equipamento é enviado para conserto. “A prevenção é um processo complexo, envolve prefeituras, Governo do Estado. A Cetesb só agora está podendo entrar no cais. Antes, não tinha acesso”. 
Já o gerente ambiental da Cetesb, Enedir Rodrigues, disse que um possível erro, por parte da empresa,  pode ter causado o vazamento. “O contêiner deveria estar lacrado e a empresa pagará por isso”, declarou.
 
Uma relação delicada
Presidente do Comitê Especial do Meio Ambiente da OAB subseção de Santos, a advogada Luciana Schlindwein Gonzalez considera indispensável para a região o estabelecimento de regras básicas de convivência do porto com a sociedade, quanto à prevenção de riscos. “O acidente desta quinta-feira mostrou que as regras atuais são insuficientes. O Porto de Santos é fundamental ao desenvolvimento regional e nacional, mas é preciso repensar exigências e fiscalização para adequar e melhorar seu funcionamento visando à segurança da população”.
 
Para Luciana, isso deve acontecer com a conclusão da revisão do Plano de Gerenciamento de Riscos que a Cetesb está realizando. “A análise de riscos tem que levar em conta a convivência porto-cidade. Esta é a terceira revisão. A primeira foi em 1988; a segunda, em 1999. De lá para cá, o porto cresceu, ganhou novas instalações, as empresas terão que se readaptar a este novo plano, mas são medidas que não acontecem do dia para a noite”.
 
Uma das condições que devem ser revistas, em sua opinião, é a forma de acondicionamento dos produtos. “Se for confirmada a presença de mais de uma substância nos contêineres atingidos no incêndio na Localfrio, isso dificulta o controle, pois cada uma é combatida com produtos específicos”.
 
A lição do incêndio da Ultracargo, entretanto, ela acredita que foi assimilada no tocante a outros procedimentos que economizaram tempo e agilizaram a ação. “Comunicação, Bombeiros, posicionamento do Poder Público, tudo isso permitiu maior eficácia no combate ao incêndio”.
 
O Comitê de Meio Ambiente da OAB também acompanhará o caso da Localfrio, a exemplo do que foi feito com a Ultracargo.
 
Ministério Público instaura inquérito civil
O Ministério Público de Guarujá instaurou inquérito civil para investigar os danos ambientais decorrentes do incêndio no terminal da Localfrio. Segundo o promotor de Justiça do Meio Ambiente, Osmair Chamma Júnior,  o episódio possivelmente vai gerar consequências para a empresa. “Com certeza, as conclusões do inquérito civil vão trazer consequências para a empresa no sentido de ressarcir este dano ambiental, inclusive de forma coletiva, porque tivemos a informação oficial de atendimentos em Santos e em Guarujá”, afirmou. 

Acidentes no Porto de Santos e no Polo Industrial de Cubatão:
2015, PETROBRAS- Na sexta-feira (8), um vazamento de gás na refinaria Presidente Bernardes em Cubatão (SP) preocupou funcionários e moradores da região. A Petrobras informou que a causa foi um vazamento de gás propano através de válvula localizada no parque de esferas de armazenamento.
 
2015, ULTRACARGO- Em 2 de abril, um incêndio atingiu seis tanques de combustível nas instalações da Ultracargo, na Alemoa. As chamas levaram 197 horas para serem controladas. Foi o maior acidente em região industrial no Brasil e o segundo maior do mundo, em número de bombeiros acionados e volume de material usado -foram 5 bilhões de litros de água, além de espumas e outros produtos. Podia ter sido pior: o incêndio atingiu seis dos 58 tanques existentes,  com capacidade de até 6 milhões de litros.  
 
2015, ANGLO AMERICAN- Parte do Polo Industrial de Cubatão foi evacuado na manhã de 23 de janeiro, por conta de um vazamento de gás, com enxofre em sua composição. Cerca de 100 pessoas procuraram atendimento médico, com sintomas de intoxicação. A origem do vazamento, uma torre da empresa Anglo American (antiga Coperbrás), só foi descoberto pela Cetesb três dias depois. O acidente provocou o fenômeno conhecido como “chuva ácida”.
 
2014, CARGILL- No dia 20 de outubro, o Armazém 3 do Terminal de Exportação de Açúcar do Guarujá (TEAG), da Cargill, foi consumido por chamas, queimando cerca de 50 mil toneladas de açúcar. Iniciado por volta das 5h , o fogo foi debelado no fim da manhã, antes de atingir outro armazém.  
 
2014, COSAN- Em 3 agosto, outro incêndio em terminal de açúcar, desta vez no da Rumo Logística, que faz parte do Grupo Cosan. Cerca de 15 mil toneladas de açúcar foram destruídas. Além de um armazém, o fogo atingiu duas correias transportadoras de açúcar.
 
2014, USIMINAS- Na madrugada de 25 de maio, um incêndio atingiu o alto-forno da Usiminas, em Cubatão. Segundo a empresa, o motivo foi uma instabilidade no processo de um de seus altos-fornos, gerando ruído e combustão “de forma controlada”. 
 
2013, COOPERSUCAR- Em 18 de outubro, cerca de 300 mil toneladas de açúcar foram destruídas pelo incêndio que atingiu quatro (11, 16, 21 e 20) armazéns do Terminal de Açúcar (Teaçu), operado pela Coopersucar, na região de Outeirinhos, no Porto de Santos. O acidente gerou o fenômeno batizado de “cachoeira de caramelo”. Além de caminhões, foram utilizados um helicóptero e embarcações para conter as chamas.
 
2012, USIMINAS- No dia 19 de maio, um incêndio atingiu o alto-forno 2 da Usiminas, em Cubatão. O fogo só foi controlado após seis horas. 
1998, BRASTERMINAIS- Em 3 de abril, dois tanques com diciclopentadieno, material inflamável, do terminal da Brasterminais, na Ilha Barnabé, pegaram fogo. O incêndio começou às 12h3o e foi dominado às 14h, com a participação de mais de 100 bombeiros. Com capacidade para 170 milhões de litros, a ilha Barnabé é o maior depósito de produtos químicos do Brasil.
 
1991, GRANEL –Dois tanques da empresa Granel, também na Ilha Barnabé, pegaram fogo. Segundo a empresa divulgou na época, o acidente foi causado por um raio.
 
1984, PETROBRAS- Na madrugada de 25 de fevereiro, a maior tragédia da Baixada Santista: um vazamento de dutos da Petrobras destruiu completamente a favela de Vila Socó. O número oficial de vítimas fatais foi de 93, mas acredita-se que foram muito mais mortos, já que no local  havia cerca de 500 barracos.