Sugiro que você leia o livro “Carlos Lyra – Eu & a Bossa – Uma História da Bossa Nova”, ouvindo os dois CDs (com quarenta e oito músicas no total), que acompanham a bela edição, lançado no ano de 2008 pela Editora Casa da Palavra e que reuniu as grandes histórias de um dos maiores personagens e intérpretes da Bossa Nova, que é Carlos Lyra.
E é óbvio que não poderia faltar música nas palavras e no formato diferenciado do CDBook, onde ele conta, como personagem real que foi, histórias inéditas e confirmando algumas versões dos fatos que já conhecemos. Porém, com pitadas de humor e ironia, peculiares à sua personalidade, além de reflexões sobre a situação social-econômica do nosso país, vigente entre as décadas de 50 e 60.
Considero como mais um registro importante da nossa literatura sobre a Bossa Nova, que hoje é um patrimônio cultural do Brasil e que servirá para que os mais jovens conheçam com detalhes o que aconteceu na época.
Dividido cronologicamente em sete capítulos, a obra contou com a apresentação de Millôr Fernandes, que diz que “Carlinhos é a pedra fundamental, o alicerce, a estrutura, a fachada, a cumeeira e os fogos de artifício da inauguração da Bossa Nova”.
Duas histórias curiosas, gostaria de destacar, a primeira, onde ele textualmente defende que a Bossa Nova não nasceu na casa de Nara Leão, e sim na casa do pianista Bené Nunes. Tom, Vinicius, Bôscoli, Menescal, Nara, Donato e Carlos Lyra estavam sempre por lá tocando, cantando e comendo até a madrugada chegar.
Já a segunda, depois dos tempos de exílio, quando ele voltou aos Estados Unidos no ano de 1974 para Los Angeles, para participar de uma terapia alternativa chamada “Grito Primal” e lá teve a oportunidade rara e inesquecível de trocar algumas palavras com John Lennon e Yoko Ono, que também estavam participando da terapia, e que, segundo Lennon, salvou sua vida.
Suas composições se diferenciaram pela inspiração. “Canção que Morre no Ar”, “Minha Namorada”, “Primavera”, “Samba do Carioca”, “Você e Eu”, “Sabe Você?”, “Se É Tarde Me Perdoa”, “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas” e as minhas favoritas “Influência do Jazz”, “O Negócio é Amar” e “Coisa Mais Linda” são algumas delas.
Seus parceiros foram Vinicius de Moraes, Marcos Valle, Paulo Cesar Pinheiro, Ronaldo Bôscoli, Geraldo Vandré, Chico Buarque entre tantos outros nomes.
A Bossa Nova para Carlos Lyra é a música da classe média feita para a classe média, e vou além dizendo que a Bossa Nova é a música feita por gênios para todas as classes sociais. E como Tom dizia: “Carlos Lyra, ou mais completamente, Carlos Eduardo Lyra Barbosa, elegante até nome”.
Marcos Valle – “Jet – Samba”
Um dos shows mais marcantes e emocionantes a que assisti na minha vida foi em Búzios, na praça central da cidade, quando Marcos Valle estava lançando “Jet – Samba”, pelo selo Dubas Brasil (2005), um disco memorável da sua carreira.
Aquele show foi cercado de vários ingredientes especiais: fazia muitos anos que Marcos Valle não retornava a Búzios, cidade para ele muito especial e onde na juventude, ao lado do irmão e parceiro Paulo Sérgio, se hospedava com frequência para surfar e namorar. E também pelo show ter sido realizado num espaço público e democrático e ali um numeroso público formado por jovens, crianças e adultos puderam ter contato com a música inspirada e iluminada de Marcos Valle. Impossível não se emocionar.
Jet – Samba é um disco instrumental e que fez muito sucesso aqui no Brasil e também no exterior e que considero como um dos mais belos trabalhos desse fantástico músico que é Marcos Valle.
Ele fez uma releitura de temas mais antigos e apresenta temas inéditos ao lado de um time de músicos de primeira linha, como Alberto Continentino no contrabaixo, Renato Calmon na bateria, Armando Marçal na percussão, Jessé Sadoc no trompete e Flugelhorn, Renato Franco nos saxofones e flauta, Aldivas Ayres no trombone e Jacques Morelenbaum no cello.
O timbre inconfundível do seu piano Fender Rhodes contagia com deliciosos arranjos recheados de “grooves” e muito balanço.
Destaco as releituras de “Selva de Pedra” (que foi tema de novela) e “Bar Inglês” e mais “Adam’s Hotel”, “Jet-Samba”, “Posto 9”, “Campina Grande” e “Brasil/México”, verdadeiras obras primas. Marcos Valle voou bem alto em “Jet-Samba”.
Leny Andrade – “Alma Mia”
Considero a cantora Leny Andrade como uma das melhores que já ouvi e a considero como uma das minhas preferidas. E lembro com saudade dos shows memoráveis dela, que assisti no lendário Bar da Praia, do meu querido amigo Eduardo Caldeira.
Em 2010, pelo selo Fina Flor, ela lançou o belíssimo CD “Alma Mia”, e, como o próprio nome denuncia, repleto de boleros românticos.
E Leny pode ser considerada especialista em cantar boleros, pelo seu talento e por um sentimento ímpar, que é para poucas. E ela é uma dessas vozes que conseguem nos surpreender e a parceria com o pianista Fernando Merlino (que assinou a produção e os arranjos com sopros e cordas) ficou simplesmente perfeita.
Consagrada no mundo do Jazz, Leny Andrade nunca teve seu merecido destaque na mídia no Brasil e isto não é novidade por aqui. Somos mestres em desprestigiar nossos talentos e temos que nos render quando lá fora vemos o quanto eles são venerados e respeitados. Casa de ferreiro, espeto de pau, como diz o dito popular.
Sua voz está em plena forma e a cantora acerta em cheio no tom e no repertório. Não deixe de ouvir “El Dia Que Me Quieras”, “Entonces”, “Una Mañana”, “Como Fue”, “Nosostros” e “Mia”, em que não faltam belos improvisos e “scats”, sua marca registrada. Gravações muito inspiradas que falam direto aos corações apaixonados.