Porto

Época de safra, uma praga para a região

21/02/2014
Época de safra, uma praga para a região | Jornal da Orla
-Raios! Lá vou eu escorregar de novo na casca de banana!
A piada do português, de tão velha e contada várias vezes, já perdeu a graça. Mas ela serve bem para ilustrar a situação que milhares de pessoas enfrentam nesta época do ano, quando ocorre um verdadeiro tsunami de caminhões transportando a safra de grãos para serem exportados pelo Porto de Santos.
Trata-se de uma tragédia mais do que anunciada, com tendência a piorar a cada ano. Neste cenário, as partes envolvidas intercalam dois jogos: o “de empurra” e o da “batata-quente”, uma responsabilizando a outra por ser a causadora do caos e também pela solução. Mas, afinal, a culpa é de quem?
Após acompanhar as notícias, ouvir especialistas e consultar relatórios, o Jornal da Orla chegou a algumas conclusões:

1. Faltam silos para armazenamento da safra nas áreas onde são produzidas
A produção de grãos no Brasil vem batendo recordes sucessivos (a previsão é de que este ano fique em cerca de 190 milhões de toneladas). Nas últimas duas décadas, aumentou 221%. No entanto, a construção de locais destinados à estocagem não acompanhou esta evolução e os produtores despacham os grãos imediatamente após a colheita. As estradas se transformam em verdadeiros armazéns ambulantes. O governo federal abriu uma linha de crédito de R$ 25 bilhões para financiar a construção de armazéns privados nos próximos cinco anos, mas, até o momento, foram contratados apenas R$ 2,5 bilhões. E, o pior, a grande maioria dos empréstimos foi feita por produtores do sul do país, não da região Centro-Oeste, que é de onde vêm os grãos escoados pelo Porto de Santos.
2. O Brasil utiliza um modal (meio de transporte) ultrapassado, e mais caro, para transportar suas cargas.
Apenas 20% das cargas que chegam ao Porto de Santos vêm por ferrovias. Em outros países, como Canadá, Estados Unidos e Austrália, esse índice está sempre acima de 46%. Trazer uma carreta de São Paulo até Santos custa mais caro do que fazer a mesma carga cruzar os Estados Unidos, da costa oeste à leste, por ferrovia. Um caminhão consome em média mil litros de óleo diesel para transportar 25 toneladas por mil quilômetros. O trem faz o mesmo com apenas 290 litros. Neste período de safra, Santos deve receber cerca de 5 mil caminhões carregados de grãos por dia -aproximadamente 175 mil toneladas. Uma composição com 80 vagões é capaz de transportar a mesma carga de 186 carretas. Se a maior parte da safra fosse escoada pela via férrea, milhares de caminhões seriam retirados das estradas.
 
3. Não há pátios reguladores suficientes para abrigar os caminhões ainda no Planalto, para evitar que desçam a Serra antes da hora.
Atualmente, há dois locais em Cubatão aptos a receber caminhões, antes de eles se dirigirem ao porto: o Ecopátio (com capacidade de receber até 3,5 mil caminhões por dia) e o Rodopark (1,2 mil veículos por dia).  Para fechar a conta, seriam necessárias cerca de 500 vagas por dia. A Codesp informa que está sendo preparado um pátio regulador de caminhões em Sumaré, com capacidade para receber 200 caminhões, ou até 700 veículos, “em situações emergenciais”.

4. A Via Anchieta, única por onde as carretas podem trafegar para ir ao porto, está com a capacidade esgotada.
Uma estrada construída na metade do século passado, é a única via utilizada pelos caminhões para chegar ao Porto de Santos, já que a inclinação da segunda pista da Imigrantes não permite o trânsito de veículos pesados. Independente da necessidade de se investir em ferrovias, é fundamental construir novas pistas rodoviárias. Há projetos de uma terceira pista da Imigrantes (com capacidade para receber veículos de carga e ônibus), uma rodovia ligando Suzano a Santos e até mesmo uma outra, ligando a Baixada Santista a Parelheiros, na região metropolitana de São Paulo.
 
5. As vias de acesso ao Porto, entre o fim da Serra e a entrada do cais, estão ultrapassadas.
Apesar de o trânsito de cargas e de veículos de passeio ter aumentado exponencialmente nas últimas décadas, as vias continuam as mesmas -e próximas de entrar em colapso. Uma solução parece ser o projeto apresentado pela Prefeitura, orçado em R$ 800 milhões, que será viabilizado com recursos federais, estaduais e municipais. Ele prevê aumento no número de pistas, construção de viadutos e eliminação de semáforos.
 
6. A fiscalização da Polícia Rodoviária é ineficaz, ou mesmo impossível, diante do número de carretas. 
Nesta safra, a Polícia Rodoviária colocou mais 80 viaturas para fiscalizar o trânsito de carretas. Mesmo assim, a tarefa de fiscalizar 5 mil caminhões continua árdua. Como guinchar centenas de caminhões por dia? Quantos guinchos seriam necessários? Para onde seriam levados os infratores? A solução passa necessariamente por medidas que impeçam o estrangulamento do trânsito, com a redução do número de caminhões em circulação.
 
7. O sistema de agendamento elaborado pela Codesp não é respeitado.
É apontado por muitos especialistas como a principal causa do problema. A ideia era fazer com que cada caminhão transportando grãos respeitasse a sua hora de entregar a carga, esperando em bolsões de estacionamento ainda no Planalto. O responsável pela carga (exportador) deveria garantir um agendamento para evitar o acúmulo de veículos nas estradas ou mesmo na porta dos terminais do porto. No papel, o plano daria certo, mas, na prática, um de cada cinco caminhões chega ao cais sem agendamento. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antac) multou o T-Grão, ao identificar 106 caminhões aguardando na entrada do terminal em desacordo com a programação, na terça-feira. A  punição pode chegar a R$ 212 mil.
 
8. Os terminais graneleiros do Porto não contam com os equipamentos mais velozes (e rápidos para operar a carga). 
Boa parte dos terminais do cais santista são mais lentos que terminais que executam o mesmo trabalho em outros países, principalmente nos Estados Unidos e China. Além disso, a operação provoca o lançamento de partículas nocivas à saúde da população, principalmente na Ponta da Praia. 
 
9. O Corredor de Exportação está localizado no pior lugar possível no Porto de Santos, em área extremante urbanizada.
Por estar localizado na Ponta da Praia, o terminal prejudica a qualidade de vida dos moradores dos bairros próximos e provoca grandes transtornos ao trânsito. As carretas precisam de um ponto extremo ao outro da cidade, pela Avenida Perimetral, para chegar aos terminais exportadores.
 
10. Problemas de gestão 
A nova lei dos portos tirou poder de comando da Codesp. As decisões mais importantes, como as relativas a contratos de arrendamento e dragagem, são tomadas diretamente pela Secretaria Especial de Portos (SEP) ou pela Antaq. De síndica, a Codesp tornou-se uma mera zeladora. Além disso, a Codesp não consegue executar o orçamento que lhe é reservado pelo governo federal. De 2002 a 2011, o Porto de Santos deixou de receber R$ 1,3 bilhão. No primeiro semestre do ano passado, a empresa investiu apenas 5% dos R$ 189,3 milhões autorizados pelo Governo Federal para a execução de projetos no cais santista. Projetos como o mergulhão na área do Valongo e obras na entrada da cidade, por exemplo, deixaram de ser executados. A Codesp alega problemas com a demora de obter licenciamentos ambientais e disputas judiciais para explicar a não-execução do orçamento