Culpa e tragédia se entrelaçam neste aclamado romance de Philip Roth
Foram 27 mil casos e 6 mil mortes. Eis o terrível saldo da epidemia de poliomielite que apavorou os EUA em 1916. Sem tratamento efetivo, a doença seguiu por décadas atemorizando a população em razão de suas consequências aterradoras: as crianças reportavam febre alta e, já no dia seguinte, acordavam com pernas paralisadas e outras complicações. Franklin Roosevelt contraiu a doença aos 39 anos, tornando-se a vítima mais famosa da pólio. Ao assumir a presidência dos EUA, intensificou esforços para elaborar a vacina que erradicaria a moléstia.
Nêmesis situa o leitor em uma pequena comunidade de Nova Jersey no verão de 1944. Nela vive Bucky, um responsável jovem de 23 anos que, em razão da miopia, foi recusado pelas Forças Armadas. Desolado, assume o emprego de chefe do pátio da escola, onde coordena as atividades das crianças. E então o abominável acontece: seus pequenos protegidos começam a acusar a pavorosa doença. Viviam-se os idos da Segunda Grande Guerra, e as maiores ameaçadas da Terra eram a bomba atômica e a poliomielite.
O romance perpassa a juventude de Bucky até aportar em sua amargurada vida adulta. Angustiante e assustador, Nêmesis é um dos pontos altos da brilhante carreira de Roth.
Motivos para ler:
1- Philip Roth, estadunidense de Newark, recebeu as maiores honrarias creditadas a um escritor: o insuperável Prêmio Pulitzer, a National Medal of Arts, a Gold Medal in Fiction, o National Book Award, o Man Booker International Prize, dentre tantos outros. Faltou o Nobel: sempre cotado nas listas e apostas, faleceu em 2018 sem receber a distinção;
2- A construção do jovem Bucky toca a perfeição. O leitor sentirá toda a angústia que o jovem carrega, todos os tormentos que volteiam sua mente. Envergonhado por ficar na cidade enquanto seus amigos partiram para a guerra, tudo piora quando as crianças sob sua responsabilidade adoecem. E então vem o golpe fatal, a culpa maior que o acompanhará em definitivo por toda a vida;
3– Epidemias costumam gerar desagregação social. Assim foi com a poliomielite, doença que aleijou crianças de forma permanente e ceifou vidas. Apesar dos esforços das ciências e das autoridades, o medo e a desinformação propagaram negacionismos de toda ordem. Mesmo com o advento da vacina, muitos irresponsáveis não a aceitaram e, com isso, condenaram suas crianças a um futuro horrível. Sempre pulularam teorias da conspiração em momentos difíceis. Nada mais antigo, nada mais atual. E vacinas continuam salvando vidas, a despeito dos negacionismos de toda ordem.
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