A voz da consciência

Dependência da minha própria condição física

04/10/2024
Dependência da minha própria condição física | Jornal da Orla

Vi essa foto e a história contada no boletim de notícias TV Reação no YouTube. A história, que relato aqui, foi trazida por mim ao diretor de redação da revista Reação, Rodrigo Rosso. A relação entre essas crianças é notória pela naturalidade. Ele tem paralisia cerebral, mesma condição que a minha. Quando soube dessa história, foi algo puro, inocente e genuíno, como podemos perceber na imagem.

Espero que essa amizade continue durante a vida adulta dos dois. Gostaria de citar os nomes deles: os pequenos Arthur e Heloísa. Essa história aconteceu em Teresina, no Piauí. Recomendo que você assista ao boletim de notícias TV Reação, de 25 de maio de 2023, no YouTube.

É uma história emocionante… É de fato, como você vê na imagem, uma amizade sincera.

Ao visualizar essa foto, percebi a possibilidade de estar nascendo um amor verdadeiro. Claro que, dependendo da condição cognitiva e sensorial do menino Arthur na vida adulta, ele saberá a diferença entre dor e prazer, por exemplo. Estou falando da fase adulta do pequeno Arthur.

Infelizmente, a imagem não permite uma análise detalhada. Mas, talvez por causa da mesma condição, a paralisia cerebral, me vi dentro da história de Arthur e Heloísa. Não sei se isso é normal?

— Análise Social —

Não pretendo transformar esse espaço em um muro de lamentações. Mas, aproveitarei para fazer algumas reflexões. Muitas pessoas não gostam quando falo sobre dependência, mas pretendo contestar esse conceito.

Acredito que é preciso inverter o conceito, pois a condição física não deve ser o principal critério para o acesso à sociedade.

Para mim, é fundamental considerar a condição intelectual e cognitiva da pessoa com deficiência. Não descarto a existência de dependência, mas o que vou dizer pode ser polêmico.

Para mim, dependente é aquela pessoa que precisa de apoio constante para realizar atividades do dia a dia. Sei que a lei define a dependência de outra forma, mas estou expressando minha opinião, e você pode discordar ou não.

A pessoa com deficiência pode enfrentar dificuldades no dia a dia, como precisar de ajuda para levantar da cama ou ir ao banheiro.

Convivo com a ausência da minha mãe há dois anos e meio. Tudo o que antes me parecia inerente à minha condição física, hoje me causa dificuldade de aceitação. Talvez seja pela idade, talvez pela informação de que a paralisia cerebral é degenerativa, algo que ouvi da presidente da entidade onde fazia fisioterapia. Não sei se é verdade, mas não tive coragem de pesquisar.

Há dois anos e meio, me pergunto se realmente eu precisava nascer com algum tipo de deficiência, como a paralisia cerebral. Não estou discutindo, é um fato, mas será que não teria o mesmo efeito ter adquirido outro tipo de deficiência? Se eu tivesse mobilidade suficiente no meu corpo para que, por exemplo, eu pudesse ir ao banheiro sozinho, talvez a minha vida fosse um pouco mais fácil, ou não? Mas Deus quis assim, não estou reclamando.

Do jeito que a lei orgânica da assistência social se configura, não permite que nós, pessoas com deficiência, nos desenvolvamos socialmente de acordo com o que nós e nossas famílias queremos para as nossas vidas. Por exemplo, não permite praticar esporte porque isso pode gerar renda, o que significa um cativeiro social.

Precisamos discutir se a pessoa com deficiência deve ser limitada no seu alcance de onde podemos chegar? Esse limite depende única e exclusivamente das pessoas com deficiência e nossas famílias?

Fazem muito comigo, principalmente em conversas no meu círculo mais íntimo, seja amigo ou familiar, por causa da paralisia cerebral, a mesma questão: “Você é vulnerável, é protegido pela lei”. Não sei o que eu disse na última vez que me falaram sobre dependência, porque levantaram a possibilidade de procurar o conselho tutelar. Me deram essa orientação. Eu falei que, pela minha idade, 37 anos, no meu caso, não seria mais de responsabilidade do conselho tutelar, e sim do Ministério Público.

O sentimento de não pertencimento está cada vez mais presente no meu dia a dia. A gente vive numa sociedade em que eu não me encaixo, não me vejo. O poder Judiciário vai querer legalizar o aborto. Isso me dá um negócio no peito, no estômago. Cada dia que passa, tenho certeza de que eu não sou daqui. Meu sentimento, sentimento de que eu não sou desse tempo, sempre existiu dentro de mim, mas agora está mais forte do que nunca. Meu espírito é velho.

Você precisa resolver o que é o conceito de dependência, porque se você usar como critério de dependência a natureza neurológica, então tira das famílias a responsabilidade, a tutela, e passa para o Estado, para o governo. Do ponto de vista do governo, eles querem que nós, pessoas com deficiência, tenhamos direito a oito coisas: tomar banho, se alimentar, se hidratar, dormir, comer, respirar. Do ponto de vista da família, é preciso reconhecer a necessidade de supervisão social em razão da condição física e clínica que cada um tem.

É um protesto contra uma característica da sociedade em geral, que eu encontro em todo tipo de conversa com algumas pessoas que usam do expediente da maldade para infantilizar a pessoa com deficiência.

O Estado deveria ter uma política pública para assumir de fato a responsabilidade com os cuidados das pessoas com deficiência, de que forma? Dando, custeando o pagamento de cuidador, se nós somos tão dependentes assim?

Não acredito e nunca acreditarei até o fim da minha vida. Acredito sim que cada deficiência, ou condição física, como eu chamo, deve ser tratada caso a caso, de acordo com as suas características. Me preocupo sim com aquelas pessoas com deficiência que não têm pai ou mãe como responsável.

Deixo um conselho a você, pai ou mãe que possa ler o que estou dizendo: prepare o seu sucessor natural ou então construa com seu filho ou filha uma estrutura que atenda às necessidades para auxiliar o seu filho ou filha com deficiência, de acordo com a condição física dele ou dela, para a sua ausência, porque um dia você vai embora.

Este texto foi escrito em 2023, quando eu tinha 37 anos. Hoje, com 38 anos de idade, trago a coluna “A Voz da Consciência” no Jornal da Orla, em comemoração ao dia 21 de setembro, Dia Nacional de Luta pelos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete a linha editorial e ideológica do Jornal da Orla. O jornal não se responsabiliza pelas colunas publicadas neste espaço