O livro de Eicha (Livro das Lamentações) é atemporal. Embora tenha sido composto no final do primeiro Templo pelo Profeta Jeremias, os Sábios do Midrash consideram-no cheio de alusões à destruição do segundo Templo, mais de 500 anos depois. Isto não é de forma alguma um anacronismo, porque a história judaica é um continuum. Tal como vivemos pela Torá que foi dada há mais de 33 séculos, também somos moldados pelas experiências dos nossos antepassados e pelas épocas históricas que eles criaram.
O Livro das Lamentações – conhecido em hebraico como Meguilat Eicha – foi escrito em resposta à calamidade que se abateu sobre a Judeia em 586 AEC, quando o Império Babilónico destruiu Jerusalém e exilou os seus habitantes. No entanto, Eicha não é um relato histórico dos acontecimentos. O livro lamenta a dor de uma nação e evoca as nuances teológicas que acompanham a tentativa de lidar com a catástrofe. O resultado é uma obra de arte literária surpreendente e vívida em seu retrato da luta humana com Deus.
A estrutura do livro reflete e incentiva a complexidade teológica, oferecendo duas abordagens divergentes do sofrimento. Numa abordagem, os humanos aceitam as ações de Deus e reconhecem a justiça de Deus. Na outra, os humanos resistem à reconciliação e mantêm uma postura desafiadora de incompreensão e indignação.
A Meguilat Eicha reflete um redemoinho, seu centro plácido engolfado por uma miséria turbulenta. Este desenho representa a forma da experiência teológica do sofredor. Dois anéis paralelos envolvem o sofredor, representando a flutuação emaranhada entre a teodiceia e a indignação. Oscilar entre essas abordagens contraditórias é fundamental para enfrentar adequadamente as questões teológicas apresentadas pela perda.
No entanto, dentro da turbulência circundante, o sofredor pode encontrar tranquilidade no seu ser mais íntimo. Os seres humanos têm a capacidade de combater o ataque de forças hostis que giram em torno de nós, recorrendo à esperança e à fé que estão no seu âmago. Desta forma, Eicha tece um retrato magnífico dos recursos e da resiliência que existem nas profundezas da alma humana.
O livro de Eicha chama Tisha B’av de
“um dia de encontro judaico com Deus”
Encontro com Deus? Festival? Num dia de destruição e sofrimento? Sim, porque Tisha B’av prova que Deus não é indiferente à conduta judaica. Nós somos importantes para ele.
…
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete a linha editorial e ideológica do Jornal da Orla. O jornal não se responsabiliza pelas colunas publicadas neste espaço.