Neste mês de maio, no dia 16, o jornalismo esportivo do Brasil perdeu Antero Greco. Aos quase 70 anos, que completaria neste domingo, o jornalista construiu uma longa e bem-sucedida carreira em vários meios de comunicação e na internet. Mas Greco se notabilizou, de verdade, a partir do começo dos anos 2000, pela dupla com Paulo Soares, o Amigão, no comando do SportsCenter, da ESPN. A dupla se tornou um xodó nacional.
A seriedade temperada com muita descontração era a marca da apresentação do programa. Muitas e muitas vezes as gargalhadas interrompiam por alguns segundos as notícias e os comentários. Muitos telespectadores lembram até hoje dos nomes estranhos de atletas que provocavam essas explosões de riso, como Milton Caraglio ou Louis Picamoles.
Quando alguém consegue alcançar com originalidade essa identificação com o público, se torna inesquecível.
É o caso de Antero Greco. É o caso também de Sílvio Luiz, que se notabilizou na TV Bandeirantes e colocou no jargão do futebol expressões como “olho no lance” e “pelas barbas do profeta”. O narrador morreu nesse mesmo dia 16, aos 89 anos. Um dia antes, outro jornalista esportivo, o carioca Washington Rodrigues também partiu, aos 87. Mais conhecido como Apolinho, o cronista emplacou na nossa linguagem o “chocolate”, como sinônimo de goleada, e o “briga de cachorro grande”.
A morte de Antero Greco, especialmente, me trouxe de volta um pensamento antigo. Gosto muito, mas muito mesmo, dos filmes do diretor Woody Allen, dos Estados Unidos, que também atua como ator. As obras de Allen são originalíssimas. Extremamente pessoais e diferenciadas. No filme Zelig, o personagem-título era um camaleão humano, que se tornava parecido com as pessoas que estavam no mesmo ambiente. No Rosa Púrpura do Cairo, o personagem sai do filme e vem viver na realidade com uma espectadora vidrada nele. Em Contos de Nova York, a mâe judia do personagem de Allen, depois da morte, se transforma numa nuvem e todos podem acompanhar as coisas que ela fala pra ele lá do céu. Uma cena genial é do filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. O Noivo Neurótico (Allen) se irrita numa fila de bilheteria de cinema com um pseudo-intelectual que deita falação sobre a obra de Marshall McLuhan. Discute com ele. E, no meio da discussão, o próprio teórico canadense da comunicação, ele mesmo, em carne e osso, sai de trás de um biombo e diz pro sujeito que ele está falando só bobagens e não entendeu nada do que ele, McLuhan, escreveu.
Sempre que assisto a um filme de Woody Allen, nos dias seguintes, fico pensando que, quando ele morrer, não vai ter ninguém para ter essas concepções originalíssimas de roteiros cinematográficos.
Você pode dizer que isso não é característica só do Antero Greco, ou do Woody Allen. E tem razão. Rita Lee, por exemplo, deve ser uma estrela de brilho intenso e único no céu. Jorge Amado, Chico Anysio…
E Caetano Veloso, Gilberto Gil, Mick Jagger, todos octogenários, também são insubstituíveis. Como Fernanda Montenegro, nonagenária.
Vale como consolação pensar que quanto mais geniais, mais longevos o autor e a obra se tornam. Mais de 400 anos depois da morte de Shakespeare, as pessoas ainda se emocionam com o Ser Ou Não Ser, de Hamlet, ou com o romance trágico de Romeu e Julieta.
Diante da morte de cada pessoa inesquecível, podemos repetir Carlos Drummond de Andrade, também genial, que já se foi há quase 40 anos, e que sintetizou num verso único essa nossa perplexidade diante das encruzilhadas da vida:
“E agora, José?”.
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