No judaísmo, o cuidado, consideração e respeito que são dispensados aos vivos devem ser dados aos mortos à medida que são atendidos, preparados e escoltados até sua morada final na terra.
Ajudar na preparação e sepultamento dos mortos é uma das maiores mitzvot de nossa fé.
Meu pai, Saadia Beniflah Moryusef, desempenhou esta mitzvá por mais de 30 anos em Barcelona. Era um judeu praticante que dava aulas de bar-mitzvá e era muito amedrontado por quase tudo, mas sua coragem e determinação para cuidar dos mortos de nossa pequena comunidade eram inabaláveis. Fazia por LeShem HaShamaim e faleceu também , curiosamente, em 7 de Adar.
Atualmente, meu irmão Jaime segue este caminho de nosso pai em Marbella.
A associação que é organizada para realizar este serviço é apropriadamente chamada de Chevra Kadisha, literalmente a Sociedade Sagrada.
A Chevra Kadisha foi uma das primeiras associações a serem estabelecidas na comunidade judaica tradicional do passado.
Ser membro do Chevra Kadisha sempre foi considerado um privilégio único. Os membros devem ser observadores do Shabat, de elevado caráter moral e familiarizados com as leis e costumes que são de responsabilidade do cargo que ocupam.
A sociedade já era conhecida nos tempos talmúdicos.
O Rabino Eliezer Ashkenazi, em 1564 em Praga, lançou as bases de uma Chevra eficiente, que se tornou o modelo de todos as organizações semelhantes.
Durante a Idade Média, tornou-se costume a Chevra Kadisha dedicar um dia por ano ao jejum e oração para expiar qualquer desrespeito que possam ter mostrado aos mortos. No final desse dia, que geralmente era celebrado no sétimo dia de Adar, data da morte de Moshe, uma seudá ou refeição festiva era organizada para eles.
A tradição judaica considera excepcionalmente meritório juntar-se a uma Chevra Kadisha, especialmente porque muitas pessoas relutam em fazê-lo.
Embora poucos judeus, particularmente fora da comunidade ortodoxa, estejam cientes das sociedades Chevra Kadisha, elas existem em praticamente todas as comunidades judaicas.
Na Europa do passado, era uma honra ser um membro da Chevra Kadisha, e grandes eruditos da Torá e líderes comunitários foram admitidos nesta sociedade como uma marca de distinção.
Em comunidades ao redor do mundo, os homens e mulheres dedicados da Chevra Kadisha são os heróis não celebrados da comunidade, silenciosa e humildemente cumprindo seu dever sagrado noite após noite.
No centro da função da sociedade está o ritual de Tahará, ou purificação.
Primeiramente, o corpo é completamente limpo de sujeira, fluidos corporais e sólidos, e qualquer outra coisa que possa estar na pele, e então é purificado ritualmente por imersão ou fluxo contínuo de água da cabeça sobre todo o corpo. Tahará pode se referir a todo o processo ou ao ritual de purificação.
Uma vez que o corpo é purificado, o corpo é vestido com tachrichim, ou mortalhas, de musselina pura branca ou vestimentas de linho compostas de dez peças para um homem e doze para uma mulher, que são idênticas para cada judeu e que simbolicamente lembram as roupas usadas pelo Kohen Gadol (Sumo Sacerdote).
Assim que o corpo é envolto, o caixão é fechado. Para o enterro em Israel, no entanto, na maioria dos cemitérios o caixão não é usado, exceto os enterros de nossos soldados.
A sociedade também pode fornecer shomrim, ou vigilantes, para proteger o corpo contra roubo, praga ou profanação até o enterro.
Em algumas comunidades, isso é feito por pessoas próximas ao falecido ou por shomrim pagos.
Antigamente, o perigo de roubo do corpo era muito real; nos tempos modernos, a vigília tornou-se uma forma de homenagear o falecido.
Uma tarefa específica da Sociedade Sagrada é cuidar dos mortos que não têm parentes próximos.
Estas pessoas são chamadas de met mitzvá (uma mitzvá para o falecido), visto que tender a met mitzvá substitui virtualmente qualquer outro mandamento positivo (mitzvá aseh) da lei da Torá, uma indicação da alta importância que a Torá atribui à honra dos mortos.
Em Israel, onde o terror e a guerra se tornaram uma parte infeliz da vida cotidiana, ZAKA é uma Chevra Kadisha especializada em recuperar e cuidar dos restos mortais das vítimas de ataques suicidas e outros atos violentos.
Eles fazem de tudo para garantir que cada gota de sangue seja coletada e enterrada da maneira mais honrosa.
Alcançando muito além de Israel, em 2005 a ZAKA foi reconhecida pelas Nações Unidas como uma organização humanitária voluntária internacional e é frequentemente chamada a ajudar outros países após desastres.
Em tempos de fome e peste, os judeus arriscavam suas vidas a fim de recolher os judeus mortos e fornecer-lhes um enterro judaico.
Quando os judeus chegavam a novas terras, a Chevra Kadisha frequentemente estava entre as primeiras instituições fundadas, junto com uma micvá e uma sinagoga.
Uma comovente descrição do trabalho de uma Chevra Kadisha foi dada pelo professor Jacob Neusner a respeito da morte de seu sogro, que faleceu durante uma viagem a Jerusalém:
“Aqueles belos judeus”, Neusner escreveu sobre a Chevra Kadisha de Jerusalém, “ mostraram-me mais do que significa ser judeu e do que a Torá representa, do que todos os livros que já li.
Eles cuidaram do falecido com delicadeza e reverência, mas não fingiram que fosse algo além de um corpo”.
Na conclusão de sua missão, o chefe da Chevra Kadisha diz, em voz alta, para que os mortos e os vivos ouçam, citando o nome do/a falecido/a: tudo o que fizemos é para sua honra. E se não tivermos feito nossa tarefa corretamente, imploramos seu perdão”.
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