Meio Ambiente

A importância bilionária dos manguezais

29/07/2022
Adriano Gambarini/WWF

Um ecossistema muito próximo dos moradores do Litoral Paulista mas, contraditoriamente, pouco conhecido por parcela significativa da população. Os manguezais vêm sendo degradados e esta destruição provoca impactos não apenas no meio ambiente, mas na qualidade de vida das pessoas e provoca prejuízos econômicos.

A pesquisa “Oceano sem mistérios: desvendando os manguezais”, realizada pela Fundação Boticário, indica que os manguezais são capazes de oferecer serviços ecossistêmicos valiosos e gerar ao Brasil benefícios socioeconômicos estimados em US$ 5 bilhões, relacionados especialmente à pesca e ao turismo.

 

Ecossistema desconhecido

Pesquisa realizada pela Fundação Boticário, em parceria com a Unesco e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que 58% dos brasileiros nunca visitaram um manguezal, frente a 90% das pessoas que já estiveram na praia ao menos uma vez.

“Em algumas localidades, os manguezais contribuem com até 50% da pesca artesanal, alimentando o ciclo de vida de espécies marinhas de grande valor comercial, como robalos, tainhas, siris, ostras e caranguejos. Por suas paisagens únicas, o turismo é outra atividade que se beneficia desses ecossistemas”, explica Emerson Oliveira, gerente de Conservação da Biodiversidade da Fundação Boticário.

O que são manguezais

Os manguezais são ambientes que estão na transição entre os ambientes terrestre, água doce e marinho. Recebem tanto influência dos rios quanto dos mares. Isso faz com que a salinidade varie muito. Ao ter esta peculiaridade ele é um ambiente tem uma capacidade muito grande de degradar matéria orgânica, por isso tem aquele cheiro de enxofre. Tem uma riqueza de bactérias muito grande, que podem trazer inúmeros benefícios para o ser humano. Os manguezais processam essa matéria orgânica, as folhas que caem das árvores, por exemplo. Os manguezais abrigam árvores que suportam esta variação de salinidade, com raízes aéreas. Eles processam este material orgânico e estes nutrientes voltam para as aves, os peixes e outras espécies marinhas.

O Brasil possui uma extensão de 6.786 quilômetros de manguezais ao longo de 16 estados costeiros – do Amapá até Santa Catarina. No Estado de São Paulo, são 231 km² de manguezais, localizados no Litoral Paulista, dividido em três porções: Litoral Norte, com 3 km²; Baixada Santista, com 120 km²; e Litoral Sul, com 108 km².

Muito da nossa pesca artesanal é beneficiada por isso, pois águas com mais nutrientes tem mais peixes e camarões. Então, ele traz todo um benefício de riqueza.

As pessoas nunca deram valor ou tiveram interesse por estarem sempre próximas as manguezais, também é verdade que nunca tivemos ensino, a chamada cultura oceânica. Diferente da Amazônia, por exemplo. As crianças têm aulas sobre a Amazônia mas nunca tiveram sobre manguezal.

 

Preservação faz bem à economia

O biólogo Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que manguezal preservado retira o carbono da atmosfera e o mantém na natureza. “Todo mundo está vendo as mudanças climáticas, veja a Europa com temperaturas recordes. Este aquecimento global é resultado de muito gás carbônica, por causa de nossa produção industrial e o estilo de vida das últimas da décadas”, explica. Segundo ele estudos indicam que manguezais retiram mais carbono da atmosfera do que a própria Amazônia, por metro quadrado. “Quando se preserva essa área, se ameniza os impactos da mudança do clima”, completa.

O especialista destaca outro exemplo: os manguezais eles enriquecem a água e melhoram a produtividade da pesca. “Sabe a compostagem que as pessoas fazem em casa? Os manguezais fazem naturalmente, beneficiando a região inteira. Quando enriquece a água, enriquece a pesca. Isso traz lucro direto, para a pesca e até para o turismo”, esclarece.

O professor do Instituto do Mar explica que os manguezais preservados protegem as zonas costeiras. “Quando temos ressacas mais fortes ele naturalmente amortece as forças das ondas”.

Estudos demonstram que 100 metros de manguezal reduzem a força das ondas em cerca de 60%. No tsunami que devastou Sumatra, na Indonésia, em 2004, nas comunidades onde havia manguezal a fúria das ondas foi reduzida e houve um impacto muito menor em comparação aos locais onde manguezais foram destruídos para darem lugar a resorts. “Sem manguezais, há redução da qualidade da água, perda do carbono acumulado e redução dos estoques pesqueiros. Essas áreas sequestram 57% mais carbono do que outros tipos de vegetação tropical, inclusive a floresta amazônica, completa.

Ronaldo Christofoletti salienta a necessidade de preservar este ecossistema. “Infelizmente, perdemos a maior parte dos nossos manguezais. Precisamos trabalhar para preservar o que remanesce e restaurar o que é possível. Toda esta região onde hoje estão os bairros da orla era um grande manguezal, esta vegetação foi removida”.

Segundo ele, a proteção dos manguezais está prevista em lei desde a década de 1970, “o problema é que a legislação não é respeitada”.

“Esses ambientes contribuem significativamente para a manutenção da vida marinha, sendo o espaço apropriado para a reprodução e desenvolvimento de inúmeras espécies. Também são importantes para a proteção costeira, oferecendo segurança diante do aumento do nível do mar provocado pelas mudanças climáticas. O manguezal é capaz de prevenir a erosão da costa, preservando a infraestrutura urbana, e proteger as regiões costeiras contra a força das marés e dos ventos fortes vindos do mar, além do elevado potencial para a retenção de carbono em suas raízes”, explica o gerente da Fundação Grupo Boticário.

 

CONFIRA ENTREVISTA COM RONALDO CHRISTOFOLETTI:

Impactos nos manguezais

Os manguezais são destruídos por conta da especulação imobiliária, como a construção de resorts ou condomínios de luxo, e ocupação por favelas —em Santos, por exemplo, está a maior favela sobre palafitas do Brasil: o Dique da Vila Gilda, que ocupa uma área que originalmente era um manguezal mas hoje quase que completamente destruída. “Ambos os casos provocam os mesmos impactos”.

Ronaldo Christofoletti alerta que os manguezais são agredidos de modo especial por estarem em zonas costeiras e, portanto, são muito cobiçados pela especulação imobiliária. “Esses ambientes sofrem muitas pressões econômicas”, afirma.

O pesquisador explica que os manguezais também sofrem com resíduos e poluentes que vem dos rios e das praias. “Tudo o que vem pelos rios vai parar no manguezal. Ele funciona como um filtro, que acumula esses resíduos, poluentes químicos e todo o tipo de lixo descartado de forma incorreta. Por causa de suas raízes aéreas, os manguezais concentram muitos sedimentos e resíduos, fato que, inclusive, é usado pelos mal intencionados para justificar sua remoção”, salienta Christofoletti.

Outras atividades de impacto negativo são mineração, sobrepesca, agricultura e a criação de camarão em cativeiro (carcinicultura).

 

Ocupação do Dique da Vila Gilda

As margens do Rio do Bugre, na Zona Noroeste, sofreram um processo de destruição dos manguezais praticamente igual ao ocorrido na região da orla em séculos passados. A diferença é que, as áreas onde hoje estão bairros como a Ponta da Praia foram ocupadas por edifícios residenciais enquanto na região do bairro Jardim Rádio Clube, foram construídas centenas de barracos sobre palafitas; é a favela do Dique da Vila Gilda.

São cerca de 26 mil pessoas morando em habitações que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classifica como moradias “subnormais” —não há rede de saneamento básico nem fornecimento de energia elétrica formal.

A área começou a ser ocupada por moradias em 1950, após a conclusão de uma obra do antigo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS). A construção de um dique e canais de drenagem resultou na retirada em um volume gigantesco de sedimentos, que foram despejados nas margens do Rio do Bugre, com aproximadamente 3 metros de altura. Sobre este aterro, foram construídas as primeiras moradias.

Ao longo dos anos, o núcleo habitacional se expandiu avançando sobre o rio, com a construção de barracos sobre palafitas —solução arquitetônica trazida da favela de Alagados, em Salvador (BA).

parque palafita

Projeto Parque Palafitas

A Prefeitura de Santos tem um projeto habitacional que prevê a manutenção dos moradores no local, mas em moradias seguras e confortáveis, dotadas de infraestrutura e sem provocar ao meio ambiente. O projeto Parque Palafitas prevê a construção de conjuntos habitacionais na área seca do mangue, próximos à via, e de habitações com estrutura pré-fabricada (casas) sobre a água. Os prédios abrigam a caixa d’água e deles ocorre a distribuição de energia elétrica e da estrutura de saneamento para todas as unidades.

O projeto também inclui área para lazer, para o comércio, equipamentos públicos, parques e áreas para regeneração do mangue.

“Muitas pessoas não se adaptam a lugares distantes e acabam voltando para o seu local de origem. Trata-se de um projeto inovador do Brasil. Queremos ordenar as palafitas e promover a recuperação ambiental. Queremos que as pessoas habitem o local com o qual já estão familiarizadas, mas com dignidade. Com saneamento, energia elétrica e moradia adequada”, explicou o prefeito Rogério Santos.

A proposta começou a ser desenvolvida em 2018, juntamente com o escritório do arquiteto   Jaime Lerner. A previsão é que as primeiras moradias, dentro de um projeto piloto, sejam entregues até o final de 2024. “É a maior palafita do Brasil, com vários problemas sociais. Ainda temos que superar muitas barreiras como as ambientais, a busca de recursos, o que faremos com planejamento e trabalho técnico. É um resgate da cultura das pessoas que moram ali e do bom convívio com o meio ambiente, o oceano e o mangue”.

De acordo com o secretário de Desenvolvimento Urbano, Glaucus Farinello, a Prefeitura já possui estudos ambientais, um deles derivado do projeto Santos Novos Tempos, que aponta cotas seguras para construção de moradias, levando em conta questões de enchentes, além de análises de viabilidade das fundações.

A Prefeitura também possui levantamentos aerofotogramétricos, que permitem que se mensure o número de moradias que precisarão ser construídas. “Nosso trabalho agora é vencer todas as questões e desafios técnicos. Vamos nos concentrar nesse projeto-piloto, conversar com a sociedade, para que possamos replicá-lo posteriormente, a médio e longo prazo”, completa.

O professor Ronaldo Christofoletti avalia positivamente o projeto. “Se construído como está previsto, ouvindo a comunidade, ele é muito benéfico para nossa sociedade como um todo. Se a gente compara a ocupação da Vila Gilda e a ocupação da Ponta da Praia, são a mesma coisa. Mas, na época da Ponta da Praia, não havia legislação ambiental. Muita gente fala que o mar está “invadindo” os prédios da Ponta da Praia, quando na verdade ele está apenas ocupando o seu espaço, havia restinga e manguezal naquela área. Era justamente esta vegetação que protegia do impacto das ondas”.

 

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