Ele é um dos maiores autores do século 20.
Em seu último desejo, o escritor Franz Kafka (3 de Julho 1883- 3 de Junho 1924) pediu que todos os seus manuscritos fossem queimados. Se ele estivesse vivo hoje, Kafka ficaria profundamente desapontado.
Ele não só é amplamente considerado um dos maiores autores do século 20, mas seu nome se tornou parte do português padrão; o adjetivo kafkiano é usado para descrever situações e pessoas que são surreais, desorientadoras e muitas vezes ameaçadoras.
Franz Kafka nasceu em Praga, que na época fazia parte do Império Austro-Húngaro.
Os pais de Kafka provavelmente falavam uma variedade de alemão influenciada pela língua iídiche, às vezes chamada pejorativamente de mauscheldeutsch, mas, como a língua alemã era considerada o veículo de mobilidade social, eles provavelmente encorajaram os seus filhos a falar o alemão padrão.
Os pais, Hermann e Julie, tiveram seis filhos, dos quais o escritor era o mais velho. Os dois irmãos de Franz, Georg e Heinrich, morreram na infância antes de Franz completar sete anos e suas três irmãs morreram durante o Holocausto, na Segunda Guerra Mundial.
O pai de Kafka veio de Wossek, uma pequena cidade ao sul da cidade, e, movido pela pobreza que o cercava, mudou-se para Praga aos 18 anos. Hermann Kafka considerava sua antiga vida bárbara e estava empenhado em assimilar sua família à vida urbana moderna.
Praga, na época, era realmente uma encruzilhada cultural. Pulsando de vida, a cidade produziu muitos mitos remanescentes durante os séculos subsequentes e eles, por sua vez, aumentaram sua fertilidade cultural.
O mito do golem é provavelmente o mais conhecido: golem (“argila” em hebraico) foi o primeiro pedaço de matéria inanimada que o famoso Rabino Loew, conhecido por sua erudição e também por suas buscas alquimistas, supostamente despertou para a vida real no final do século XVI.
Esse mito gerou todo um gênero de literatura escrita na atmosfera assombrosa e semimística do gueto judeu de Praga.
Uma das tensões não resolvidas que é característica do trabalho de Kafka ocorre entre sua consciência inicial (e crescente) de sua herança judaica e a compreensão de que os judeus da Europa Central moderna haviam se tornado quase totalmente assimilados.
Essa tensão permaneceu viva nele, independentemente de sua situação como membro proeminente da intelectualidade judaico-alemã de Praga.
O problema o preocupava mais diretamente porque sua família se apegava às tradições judaicas apenas de maneira superficial e nao fez nenhum grande esforço para valorizar os costumes judaicos.
No entanto, seu diário está cheio de referências a escritores iídiches.
Apesar disso, por vezes ele distanciava-se do judaísmo e da vida judaica: “O que eu tenho em comum com os nós? Mal tenho algo em comum comigo mesmo, e deveria estar quieto em um corredor, contente por respirar”.
Na sua adolescência, Kafka se apresenta como um ateu.
Seu biógrafo, James Hawes sugere que Kafka, apesar de bastante consciente de seu próprio judaísmo, não o colocou na sua obra, a qual, de acordo com Hawes, carece de personagens, cenas ou temas expressamente judaicos.
Porém, em seus escritos, algumas das obras mais famosas da literatura moderna, Franz Kafka descreve um mundo desvinculado de suas âncoras mentais e à deriva no absurdo, crueldade e alienação da modernidade.
Como em “O Julgamento”, a “Metamorfose” e “O Castelo”, seus personagens enfrentam situações desorientadoras movidas por uma lógica interior nunca revelada aos protagonistas.
Passando de tormento em tormento em “O Julgamento”, Joseph K. é executado sem nunca descobrir do que é acusado.
Na novela “A Metamorfose”, Gregor Samsa se transforma em uma espécie de inseto ou “verme”, não como o início de uma divertida história de terror, mas sim como o início de uma história de alienação desorientadora e abandono da família e da sociedade.
Como em “O Julgamento”, “o Castelo” fala de um protagonista quase anônimo (chamado, ainda mais simplesmente, K.) em uma situação impossível.
Na opinião do crítico literário Harold Bloom, apesar da dureza de Kafka com sua educação judaica, ele foi o escritor judeu por excelência.
Lothar Kahn mostra ainda menos dúvida quanto a isso: “A presença do judaísmo na obra de Kafka não é mais assunto para se discutir”.
Pavel Eisner, um dos primeiros tradutores de Kafka para o idioma inglês, interpretou o clássico “O Processo” como a encarnação da “terceira dimensão da existência judaica em Praga: seu protagonista Josef K. é (simbolicamente) preso por um alemão (Rabensteiner) , um tcheco (Kullich) e um judeu (Kaminer). Ele representa a ‘culpa inculpável’ que vive no judeu no mundo moderno, mesmo que não haja provas de que ele seja “.
Kafka tinha ideia de se mudar para a Palestina.
Estudou hebraico enquanto vivia em Berlim, contratando um amigo de Brod da Palestina, Pua Bat-Tovim, para ensinar-lhe o idioma, e frequentou as aulas dos rabinos Julius Grünthal e Julius Guttman no Colégio de Berlim para o Estudo do Judaísmo.
Gershom Scholem, o grande estudioso do misticismo judaico, chamou os escritos de Kafka de “declarações secularizadas do sentimento cabalístico do mundo em um espírito moderno”, mas foi apenas em seus trabalhos posteriores – entre eles, a “Carta ao Pai” e a assombrosa “Josephine the Singer”, que Kafka abordou explicitamente seu próprio judaísmo e seus sentimentos em relação a outros judeus.
Muitas pessoas dizem que o próprio Holocausto foi prenunciado na obra de Kafka: um evento enlouquecedor, desprovido de lógica ou razão, ecoando a perseguição inútil do personagem principal em O Julgamento e a jornada fútil no Castelo com uma estranha qualidade de premonição.
É claro que o interesse de Kafka pelos vários aspectos do judaísmo não são meramente uma tentativa de compensar as omissões do passado neste assunto. São, acima de tudo, o resultado de suas preocupações religiosas – “religiosas” no sentido mais amplo da palavra – isto é, religiosas por temperamento, religiosas no sentido de busca e anseio incessantes pela graça.
Por tudo isso, parece que a experiência mais torturante de Kafka, sua escrita, também foi seu maior trunfo, a única atividade que o manteve são. A certa altura, Kafka escreveu: “Deus não quer que eu escreva. Mas eu não tenho escolha. ”
Franz Kafka morreu de tuberculose, doença que o acompanhou por grande parte de sua vida, em 3 de Junho de 1924, em um sanatório. Ele tinha apenas 41 anos.
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