Câmara aprova fim de tributo criado em 1831 que afeta 600 mil imóveis no Brasil
33 metros era a distância máxima que uma bala de canhão disparada por um navio invasor poderia alcançar em 1831. Com este limite, calculado a partir do nível da maré alta em uma noite de lua cheia, foram definidas as “áreas de marinha”, terrenos que estariam, portanto, sob responsabilidade do governo central — e, portanto, propriedade.
Assim, todos os imóveis localizados nesta faixa litorânea estão submetidos ao pagamento de tributos federais extremamente específicos, sem fato gerador: o laudêmio, aforamento e taxa de ocupação.
A cobrança parece prestes a acabar, pois na terça-feira (22), a Câmara de Deputados aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 39/2011, que extingue a cobrança destes tributos.
“Fica vedada a cobrança de foro e taxa de ocupação das áreas de que trata o art. 2º (terrenos de marinha), bem como de laudêmio sobre as transferências de domínio, a partir da data de publicação desta Emenda Constitucional”, prevê o texto aprovado.
Para se tornar realidade, a matéria precisa ser aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, que já demonstrou simpatia pela proposta.
Os terrenos de marinha (que não são da Marinha, mas da União) representam uma situação anacrônica que se arrasta há décadas. O cidadão possui o imóvel de fato, mas não de direito, e por causa disso enfrenta uma série de dificuldades para vendê-lo.
Cerca de 600 mil imóveis no Brasil são considerados dentro de áreas de marinha —cerca de 50 mil destes estão localizados no Litoral Paulista. Por ano, o governo federal arrecada cerca de R$ 914 milhões, entre laudêmio, aforamento e taxa de ocupação.
Não são apenas imóveis de frente para o mar que estão sujeitos ao laudêmio. Diversos terrenos em bairros mais afastados, como o Bom Retiro, na Zona Noroeste de Santos, também são obrigados.
Há ainda situações extremamente controversas, edifícios na orla considerados em área de marinha vizinhos de outros, do lado, que não são e, portanto, isentos do laudêmio.
Laudêmio, aforamento e taxa de ocupação
O princípio dessa cobrança é a tese de que estas áreas, no distante século 19, eram de segurança nacional e, portanto, propriedades da União. O governo central então, “generosamente”, permitia a ocupação destas localidades em troca do pagamento do tributo.
O laudêmio corresponde a 5% do valor do terreno e deve ser pago quando houver transferência da titularidade — na prática, “venda” do imóvel.
Quem “possui” o imóvel deve pagar, anualmente, outro tributo, de acordo com o regime, que pode ser ocupação ou aforamento.
O regime de ocupação é um direito pessoal atribuído pela União a um particular, para que utilize o imóvel mediante o pagamento da taxa de ocupação, de 2% do valor do terreno. Até 2015, existiam duas alíquotas: 2% e 5%. De 2%, para as ocupações inscritas até 30 de setembro de 1988, e de 5%, para as inscritas após essa data.
No aforamento, 83% do terreno é de titularidade do “proprietário” (foreiro), é o chamado Domínio Útil; e 17% é da União (Domínio Direto). Neste caso, paga-se, por ano, 0,6% sobre o valor total do terreno.
NÚMEROS DOS TRIBUTOS EM ÁREA DE MARINHA
600 mil imóveis no Brasil
40 mil –móveis no Litoral Paulista
Alíquotas:
Laudêmio – 5%
Aforamento – 0,6%
Taxa de ocupação – de 2% a 5%
R$ 914 milhões – Valor que o governo federal arrecada por ano com imóveis em área de marinha
Taxa do príncipe é real
A PEC aprovada pelos deputados não beneficia os cidadãos de Petrópolis, que são obrigados a pagar laudêmio. Apesar do mesmo nome, é um tributo distinto, pois não são imóveis localizados em área de marinha, mas sim localizadas na antiga Fazenda Córrego Azul, que pertencia ao imperador D. Pedro 2.
O laudêmio de Petrópolis é conhecido como “taxa do príncipe”, cobrada desde 1847 pela Companhia Imobiliária de Petrópolis (CIP), uma empresa pertencente aos herdeiros da família imperial do Brasil e administrada por eles mesmos. Em 2020, a CIP teve faturamento de R$ 5,161 milhões.
A companhia imobiliária é presidida por Afonso de Bourbon de Orleans e Bragança e tem como diretores Francisco de Orleans e Bragança e Pedro Carlos de Bourbon de Orleans e Bragança. Juntos, recebem R$ 100,9 mil por mês apenas de honorários, o equivalente a R$ 1,21 milhão por ano.
Em mensagem em papel timbrado em tudo, a autointitulada Casa Imperial do Brasil dizia lamentar a tragédia ocorrida em Petrópolis e oferecia “orações e solidariedade” a todos os que vêm sofrendo.