Todo mundo tem um amigo, parente ou conhecido que acreditou em bobagens como “cloroquina é eficaz para tratar covid-19”, “máscara asfixia a pessoa”, “vacina da China vem com chip”, “o STF não deixou”… O tempo e os fatos destruíram mitos, mentiras e desonestidades, fazendo boa parte das pessoas que desejavam crer nelas —pelos mais variados motivos— caírem na real. E agora? Como tratar e conviver com estas pessoas, restabelecer laços?
Hora de baixar a bola e olhar o jogo
A doutora em Psicologia Social Gisela Monteiro alerta que não é o momento de “enfiar o dedo no nariz do outro” e dizer “está vendo? Eu avisei”. “Estas pessoas devem estar arrependidas, envergonhadas, constrangidas”, argumenta. “A gente queria que as pessoas ouvissem a ciência e agora elas perceberam que só com a vacinação houve controle. Não era isso que a gente queria? Então, vamos nós, também, baixarmos a bola”, completa.
Ela explica que o momento é deixar a própria pessoa fazer a autocrítica. “A sociedade só tem uma perspectiva de futuro se ela se pensar coletivamente, não individualmente. Esta ideia de polarização não nos leva a canto nenhum. Aliás, nos leva para o abismo”, adverte.
A psicóloga sugere fazer uma hierarquia do que é mais importante neste momento. “Eu julgo que é, em termos coletivos, macrossociais, retomarmos a vida. Usar máscara, tomar todos os cuidados e atingir a imunidade coletiva através da vacinação, para que a gente possa retomar a atividade econômica e as relações sociais, e deixar estas questões mais particulares um pouco de lado”.
Negacionistas contumazes
Porém, embora cada vez menos, há ainda pessoas que permanecem com um comportamento negacionista, insistindo em curandeirismo e refutando o que a realidade mostra. Gisela Monteiro, que é coordenadora do curso de Psicologia da Universidade Santa Cecília (Unisanta), vai direto ao ponto: “Se puder, afaste-se. Não alimente a controvérsia, o conflito”.
Ela acrescenta que, quando o negacionista for uma pessoa muito próxima cujo contato seja inevitável (um membro da família ou alguém do trabalho), o melhor a fazer é evitar estes temas. “Pessoalmente, com as pessoas que eu gosto mas pensam muito diferente de mim, eu escolho não entrar nestes assuntos. Se alguém insiste, eu me posiciono, sem berros ou ofensas. É possível argumentar com fatos e informações, sem ofender ou humilhar o outro. Se você consegue uma troca, uma conversa, ótimo. Se não, é melhor tirar o time de campo”, explica.
Ninguém está bem, mas saiba se está muito mal e precisa de ajuda
Após mais de um ano e meio de pandemia, é natural que a saúde emocional de todos esteja abalada. No entanto, é preciso verificar a profundidade dos danos, para evitar quadros piores.
“Em termos gerais, coletivamente, estamos piores. Tivemos mais luto, mais problemas econômicos, temos visto uma condição de sofrimento bastante razoável da população”, avalia.
Gisela Monteiro explica que é normal ter alterações. “Dá a impressão de que faz uns cinco anos que estamos na pandemia, porque estamos sofrendo mais intensamente. E é normal ter mais preocupação e insegurança. Esse momento nos trouxe muita incerteza quanto ao futuro. Embora a pandemia esteja diminuindo, com menos casos e mortes, a economia está na situação seríssima”, afirma.
Do ponto de vista pessoal, cada um foi afetado de uma maneira particular. “Sugiro que faça uma comparação dela com ela mesma, como a pessoa estava antes da pandemia e como está agora. Se está mais introspectivo, ou mais falante, mais triste, comendo muito menos ou comendo muito mais, se está bebendo mais, ou usando drogas”, orienta.
A especialista destaca que é preciso sermos mais condescendentes com nós mesmos. “A gente tem que baixar a bola. Como dizem os treinadores de futebol, botar a bola no chão e olhar o jogo. E pensar o quanto essa dificuldade está em nossa mão, na nossa possibilidade de controle e o quanto é social, epidemiológico”.
Gisela explica que as pessoas controladoras, planejadoras, organizadas e disciplinadas são as que mais sofrem, devido às incertezas e impossibilidade de fazer planos a longo prazo.
Segundo ela, é fundamental pedir ajuda, caso você se sinta incapaz de pensar, se organizar e suportar tanta incerteza. “Se está tendo crise de ansiedade, palpitação, dor no estômago, insônia, se está usando mais álcool, mais drogas. Procure ajuda, não espere um agravamento, não espere se tornar mais crônico. Não espera a água subir até o nariz. Peça ajuda aos colegas, amigos, à família, ou mesmo profissional”.