As recentes chuvas de Primavera, prenunciando o que vem por aí no Verão, deixaram claro que mesmo obras imponentes e custosas nem sempre são garantia de fim de enchentes. Na verdade, o problema é bem mais complexo e tende a se agravar. Ms tem uma solução, embora ela envolva toda a cidade, seus planejadores, urbanistas, construtores e habitantes.
Existe uma clara tendência mundial ao crescimento e adensamento populacional, com maior concentração nas cidades. Indicadores das Nações Unidas apontam que, em décadas anteriores, rapidamente passamos de 5 bilhões (1987) para 6 bilhões (1999), numa taxa de crescimento populacional de 1,8%. E mostram esse crescimento continua, agora a uma taxa menor, de 1,18%: chegamos a 7,8 bilhões de humanos em julho passado.
Até o final deste século, seremos mais de 10 bilhões de pessoas, e esse crescimento vai pressionando as cidades, principalmente em áreas sensíveis como o acesso à água (e o excesso dela, nas inundações!).
O que fazer – Uma forma recente de enfrentar o problema é o emprego das chamadas Soluções Baseadas na Natureza (SBN) para questões de segurança hídrica e resiliência. Implantando-se áreas verdes em pontos estratégicos das cidades, forma-se um sistema natural capaz de absorver a água da chuva, filtrar sedimentos do solo e reduzir custos com saneamento e saúde pública.
“Muitas cidades estão pensando em seus sistemas de drenagem porque as tubulações que existem hoje, feitas décadas atrás, não dão conta de escoar o volume atual de água durante grandes tempestades, que acaba provocando enchentes e invadindo edificações. Isso é especialmente importante num cenário de crise climática, em que as chuvas estão cada vez mais intensas e concentradas em curtos períodos, criando uma sobrecarga sobre esses sistemas”, observa o gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, André Ferretti.
Como ele explica: “Adotar estratégias que usam a proteção da natureza como solução eleva os municípios ao que chamamos de Cidades Baseadas na Natureza”.
Como fazer – A aplicação prática da infraestrutura natural acontece por meio de soluções como jardins de infiltração, parques e telhados verdes, que – juntos – podem reduzir a quantidade de água que chega aos sistemas de drenagem, gerando, ao mesmo tempo, benefícios socioeconômicos.
“Ao absorverem a água da chuva e diminuírem sua velocidade de escoamento até chegarem às tubulações, essas áreas verdes, com solo altamente permeável, ajudam a prevenir a ocorrência de enchentes e alagamentos, o que evita muitos prejuízos. Esses espaços também servem como áreas de lazer e bem-estar para a população.”
Um estudo do World Resources Institute (WRI Brasil), publicado em 2018 em parceria com diversas entidades, mostrou que o aumento da cobertura florestal em 8% no Sistema Cantareira, na capital paulista, poderia reduzir em 36% a sedimentação. “Ao impedir que mais sedimentos cheguem aos rios e, consequentemente, às estações de tratamento, a infraestrutura verde também alivia os cofres públicos, reduzindo o custo de tratamento da água que abastece as cidades”.
Para se ter uma ideia do impacto que isso pode gerar, a Estação de Tratamento de Água do Guandu, a maior do mundo, que fica no Rio de Janeiro, gasta 140 toneladas de sulfato de alumínio, 30 toneladas de cloreto férrico e mais 25 toneladas de cal diariamente para retirar impurezas da água que abastece a Região Metropolitana do Rio.
André Ferretti cita ainda o exemplo do Movimento Viva Água, que reúne diversos atores para proteger e recuperar ecossistemas naturais e incentivar o empreendedorismo com impacto socioambiental positivo na Bacia do Rio Miringuava, em São José dos Pinhais/PR, minimizando a sedimentação do rio e contribuindo com a segurança hídrica daquela região.
Na próxima coluna, veremos como também os empreendimentos imobiliários e os profissionais do setor podem contribuir muito para essa melhoria “verde” da infraestrutura urbana.
Parque Guairacá é uma área verde em meio à cidade de Curitiba, que resulta em benefícios sociais e econômicos
Estudo do WRI Brasil demonstrou o impacto positivo da cobertura vegetal sobre os recursos hídricos
Imagem: reprodução da capa
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