Blog do Carpentieri

Não deixe a política destruir velhas amizades

12/05/2020
Não deixe a política destruir velhas amizades | Jornal da Orla

Recebi esta semana uma mensagem por WhatsApp de um amigo muito querido. Ele está incomodado com minhas críticas ao presidente Jair Bolsonaro. Acha que sou um "esquerdopata", palavra da moda dos seguidores do presidente. E me disse o seguinte: "Se for preciso pegar em armas para salvar o meu país dos comunistas, eu pego. Eu mato e morro pelo Bolsonaro. O Bolsonaro é o melhor presidente que o Brasil já teve". Preciso dizer que o meu amigo é um médico, tem 71 anos, é pai de três filhos e avô de vários netos. É um homem sério, trabalhador e uma das pessoas mais generosas que conheci. Anos atrás ele me socorreu no período mais difícil da minha vida. Todo dinheiro do mundo não seria capaz de pagar o que ele fez por mim.

 

Não quis polemizar. Apenas respondi, "então tá, beijos". Ele entendeu. Nós dois sabemos que a conversa sobre esse tema seria inútil. Seria como conversar com uma porta. Você pode até conversar com a porta, mas quando a porta responde, algo está errado. E não é com a porta. A partir de agora, a gente fala sobre tudo, menos de política. Melhor assim.

 

Minha mulher tem insistido comigo; "Deixa de falar tanto de política e do Bolsonaro. Isso está fazendo mal para a sua saúde”. Ela tem razão, mas sou jornalista, minha missão é escrever e, dentro das minhas limitações, tento fazer isso da melhor maneira possível. O leitor precisa entender que assim como médico sonha em salvar vidas, o jornalista sonha em mudar o mundo, ajudar a construir uma sociedade mais justa e humana. Eu sempre acreditei na parábola da andorinha tentando apagar o incêndio na floresta, levando no bico uma gotinha de água do oceano. Quando os demais bichos diziam que isso era inútil, ela respondia: "bem, eu estou fazendo a minha parte”.

 

O que mais me entristece no Brasil hoje, além do coronavírus (que vai passar, se Deus quiser), é constatar que a guerra política está destruindo famílias e velhas amizades. Hoje temos duas seitas: a dos adoradores do Lula e a dos adoradores do Bolsonaro. No fundo, ambas são iguais. Uma depende da outra para se manter viva. É como um vírus, se não tiver o hospedeiro, morre. A grande maioria dessas pessoas é composta de gente boa, pais de família. Apenas estão cegas pelo fanatismo e não conseguem enxergar o contraditório de maneira civilizada.

 

Estou convencido, também, de que tanto Lula quanto o Bolsonaro querem, cada um a seu modo, o melhor para o Brasil. Mas o poder, especialmente para os homens, é afrodisíaco, e desperta neles os mais baixos instintos, como já disse Roberto Jefferson. A vaidade, ah, a vaidade, como revela Al Pacino, em o "Advogado do Diabo", é o pecado predileto do demônio…

 

Seduzidos pelo poder, até bons homens são capazes de produzir atrocidades.

 

 Lula sempre foi um "bon vivant", como afirmou certa vez o patriarca da família Odebrecht. Na presidência, surfou na onda dos bons ventos da economia mundial. Deu migalhas aos pobres e bilhões aos empreiteiros e banqueiros nacionais. Aliou-se ao que havia de pior na política nacional e botou uma grana no bolso (Afinal, eu mereço, deve ter pensado). A corrupção foi escancarada.

Tirando a corrupção, que sempre existiu, talvez em menor escala, Lula fez um bom governo. Gostem ou não, ele sabe falar o que os mais humildes querem ouvir. Sem a roubalheira, Lula teria entrado para a história como um grande estadista.

 

Bolsonaro é tosco, desequilibrado, mal-educado, mas é inteligente. Ele descobriu que tirar do armário um velho fantasma – o comunismo – seria um bom negócio. Também falar em pátria, família e "Deus acima de todos". É simbólica a foto de Bolsonaro com a camiseta com a imagem de Jesus Cristo e ele fazendo tipo de "arminha na mão". Na cabeça de Bolsonaro, talvez Cristo seja um Sniper, que caça comunistas com um fuzil. Vai saber.

 

O comunismo morreu junto com a União Soviética, mas Bolsonaro o usa como uma arma para assustar as pessoas. Como o pai que falava para as crianças: "se vocês não se comportarem, o bicho papão pega vocês!". Pois é, Bolsonaro diz que se os brasileiros o deixarem, os comunistas vão invadir casas, estuprar mulheres e escravizar seus filhos. Parte do eleitorado acreditou.

O senador republicano Joseph Macarthy fez isso nos EUA nos anos 1950. O macarthismo, como ficou conhecido, acusava as pessoas de serem comunistas. Milhares perderam o emprego e foram banidas do país por conta daquela loucura. Charlie Chaplin e dezenas de outros artistas e intelectuais foram expulsos ou proibidos de entrar nos Estados Unidos.

 

Joseph Macarthy acabou desmascarado pelo âncora da rede de Televisão CBS, Edward R. Morrow. Foi considerado uma pessoa infame e uma vergonha para os americanos. Morreu totalmente desmoralizado em 1957. A história é retratada de forma magistral no filme "Boa noite e boa sorte", dirigido por George Clooney.

 

Espero que isso não aconteça no Brasil. 

 

Como também espero que as pessoas parem de se agredir, de brigar e de humilhar umas as outras por questões ideológicas.

 

A vida me ensinou que a família e os amigos são os melhores presentes que Deus nos deu. Por favor, não joguem esse tesouro fora.