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Resenha da semana: O Poço

04/04/2020
Resenha da semana: O Poço | Jornal da Orla

O Poço é o novo, e surpreendente sucesso da Netflix que chega a ser assustador por ser lançado em um momento onde parece ter sido previsto, tanto pela gigante do streaming, quanto pelo diretor do filme, o espanhol Galder Gaztelu-Urrutia. Digo previsto, e prometo não entrar em spoilers, pois devido o momento que estamos vivendo por causa do Covid 19, acompanhamos todos os dias pelos noticiários cada vez mais a individualidade, falta de empatia e egoísmo do ser humano. Pessoas com uma capacidade financeira privilegiada, estocando alimentos, remédios, gás e utensílios médicos, deixando os menos favorecidos muitas vezes sem nenhum recurso para sobreviver. E essa é a grande alegoria do filme para a sociedade que estamos inseridos, com altíssimas doses de críticas sociais aliada a referências religiosas que impactará o público. O Poço explora em níveis extremos a natureza egoísta do ser humano, onde o instinto de comer o máximo que conseguir por estar em uma posição privilegiada, apaga qualquer lógica pelo fato que essas mesmas pessoas estarão em andares mais baixos no futuro. Preferem escolher a selvageria do que compartilhar algo com o próximo. Aqui no mundo real é a mesma coisa, mas com dinheiro no lugar da comida.

Exibido pela Netflix, O Poço conta a história de um lugar misterioso, uma prisão indescritível, um buraco profundo. Dois reclusos que vivem em cada nível. Um número desconhecido de níveis. Uma plataforma descendente contendo comida para todos eles. Uma luta desumana pela sobrevivência, mas também uma oportunidade de solidariedade. Surpreendentemente, este é o primeiro filme do diretor Galder que comanda o filme com segurança, optando por uma estética interessante em um ambiente inóspito, cinza e minimalista, que definitivamente não é agradável de assistir, portanto às pessoas mais sensíveis, é recomendado passar longe deste título, ainda mais neste momento de reclusão. É um filme brutal e visceral, que caiu como uma luva no momento que estamos vivendo. Porém, faltou um pouco mais de sutileza ao diretor na hora de transacionar as idéias do papel para a tela, com alguns exageros que pode cansar boa parte do público pela falta de controle narrativo. 

Aliado a isso, temos um roteiro que busca debater a bestialidade da condição humana, as divisões de classe e a capacidade do ser humano de se despir de suas convicções quando enfrenta o desespero da sobrevivência. Só que são muitas metáforas que se perdem completamente no decorrer do filme, com um final sem contexto e desencaixado, onde deixa lacunas demais em aberto e sem um único direcionamento do cineasta que deixa uma sensação mista no final querendo criar uma sensação de que há algo maior do que realmente existe.

Por mais que o filme empolgue e cause tensão em alguns momentos (principalmente em seu primeiro ato), a violência é exagerada e a ação é fraca, com o prolongamento de algumas cenas que chegam a cansar. Na parte técnica, parece que faltou recursos ao filme, com uma fotografia escura demais, trilha sonora genérica e um design de produção fraco. Talvez seja muita exigência minha, pois o filme se passa em apenas um ambiente, mas poderia ser melhor.

O filme possui algumas atuações marcantes, que colaboram com a angustiante claustrofobia que o filme quer passar, sendo o ator Ivan Massagué o grande destaque. O "herói" é a grande bússola moral em frente as atrocidades ocorridas no local e trazendo uma potente perturbação a seu personagem, que tem seus melhores momentos ao lado do experiente ator Zorion Eguileor, que rouba as cenas. 

O Poço poderia ser melhor em diversos aspectos, com seus erros se aproximando demais de seus acertos, mas que entrega uma boa dose de mensagens simbólicas e uma impactante crítica social que está gerando muitos debates e comoção de diversas pessoas mundo afora. Que pelo menos sirva de lição para comprarmos o suficiente em álcool gel. 

Curiosidades: O diretor explicou que o roteiro foi originalmente escrito para ser uma peça teatral, que acabou nunca sendo feita.