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Resenha da semana: Joias brutas

21/03/2020
Resenha da semana: Joias brutas | Jornal da Orla

O cinema realizado pelos irmãos Safdie tem uma intensa busca pelo aspecto sensorial que desejam proporcionar ao público. Os jovens cineastas, com poucos filmes no currículo, contam suas histórias através da ambientação, seja visual ou sonora de forma elétrica e inquietante desde o início. Joias Brutas é exatamente como seu próprio título: uma joia bruta a ser lapidada, hipnotizante e que leva, quem a possui, a níveis alucinantes de histeria, como se o público fosse sugado pela corrente sanguínea de um animal em seu estado mais puro de voracidade. É um filme que remete totalmente a um ataque desenfreado de pânico, sem ao menos 1 segundo para respirar. Deu para ter um breve noção do que é Joias Brutas? 

O filme se passa em Nova York, na primavera de 2012. Howard Ratner (Adam Sandler) é o dono de uma loja de joias, que está repleto de dívidas. Sua grande chance em quitar a situação é através da venda de uma pedra não lapidada enviada diretamente da Etiópia, cheia de minerais preciosos. Inicialmente, Howard a oferece ao astro da NBA Kevin Garnett, um de seus clientes assíduos, mas depois resolve que conseguirá faturar mais caso ela vá a leilão. Para tanto, precisa driblar seus cobradores e a própria confusão que cria a partir de suas constantes mudanças. Benny e Josh Safdie são dois dos nomes mais interessantes do cinema atual onde apresentam uma direção ágil, de cortes rápidos, suja e mergulhada no submundo do crime. Toda a atmosfera criada pelos diretores é extremamente claustrofóbica, com uma cena específica que se passa na joalheria do protagonista, onde Howard fica preso com seus cobradores, que é sufocante e tem um desenvolvimento que vai piorando gradativamente. 

O roteiro do longa, também escrito pelos irmãos, tem um belo trabalho de desenvolvimento de personagem, apresentando diversas camadas ao protagonista, que apresenta nuances de mocinho e vilão ao longo da trama, com sua jornada se intensificando cada vez mais conforme atitudes erradas vão sendo tomadas. O texto é frenético e que faz com que todas as sensações vividas pelo protagonista, cheguem ao público de forma hipnótica, com diálogos desenfreados (é um falando por cima do outro), acontecimentos que se amontoam (Howard resolve um problema criando outro)  e emoções à flor da pele. 

Muito desse sentimento é devido as escolhas técnicas dos diretores, que optam por uma trilha sonora histérica e inquietante de Daniel Lopatin, aliada a uma montagem frenética de Ronald Bronstein que juntas, criam um espiral de sensações, fisiológicas e psicológicas, no espectador. A fotografia é fria e sombria em alguns momentos, mas também valoriza demais o neon e o brilho das roupas, visto na sequencia da boate. Outra sequencia que me agradou bastante foram os belíssimos planos onde a câmera viaja por dentro da valiosa pedra, em uma louca e alucinada mistura de diversos cenários da natureza e o universo, que abrem e fecham o filme. 

Fazendo um paralelo com o título, é Sandler a verdadeira Joia Bruta que apenas precisou de um bom roteiro e dois dedicados e promissores diretores, para ser lapidado e se tornar um diamante inesperado. Pode parecer engraçado, devido o ator ter dedicado a maior parte de sua carreira as comédias, mas aqui ele é a grande alma do filme e ter ficado de fora das premiações deste ano foi uma grande decepção. O ator derrama sangue, suor e lágrimas pelo projeto no melhor papel de sua carreira.

Joias Brutas foi uma das melhores surpresas de 2019 em um ano fantástico da Netflix (que adquiriu os direitos do filme). É um filme de ritmo frenético, uma jornada sombria de um homem comum em direção ao caos que é hipnotizante de se acompanhar. Reafirma também o talento e competência dos irmãos Safdie ao mesmo tempo que resgata Adam Sandler do limbo em que se encontrava. 

Curiosidades: Adam Sandler ganhou o prêmio de Melhor Ator no Spirit Choice Awards de Melhor Ator, premiação independente de cinema.