Teatro

De repente, 30

04/11/2017
De repente, 30 | Jornal da Orla

Na primeira apresentação, bailarinas apareciam de coturno e surpreendiam as plateias que esperavam ver apenas mais um espetáculo de dança ou teatro. Não só pelo uso do calçado "inapropriado" para a ocasião, mas pela temática da peça, a energia dos artistas e o clima mágico que envolvia os espectadores. 

Trinta anos depois, o Orgone Grupo de Arte seque sapateando e esmigalhando preconceitos, acomodações e limitações, ao promover um trabalho de inclusão com muita poesia, força, afeto e teimosia. 

Os responsáveis por esta trajetória de sucesso são a bailarina e psicóloga Claudia Alonso e o educador e dramaturgo Renato Di Renzo, que plantaram as primeiras sementes desta ideia e cujos frutos não param de germinar, em mais quantidade, maiores e mais fortes. Destemidos, não têm receio de subverter a ordem natural das coisas nem de dissecar o homem e seus tormentos, vaidades e pensamentos.

 

Pulsão de vida

O grupo nasceu em 11 de novembro de 1987, quando Claudia decidiu abrir uma escola de dança, no Gonzaga. Do encontro com Di Renzo, que fazia um trabalho com egressos do Hospital Anchieta, o Orgone tomou forma. “Há 30 anos, eu não sabia direito o que seria o Orgone. A palavra deriva de órgão e pulsão de vida. Minha formação era de dança catedrática. É quando eu conheço o Renato, que já tinha um trabalho de desconstrução com a Associação TamTam. Eu o chamei para escrever nossa primeira peça, “Na sala de espera do Dr. Sigmund”, e ele trouxe toda a experiência que teve no hospício para a cena. As bailarinas questionavam que aquilo não era dança, porque ele nos colocou para dançar de coturno! A partir daí, a gente começou a ganhar prêmios em festivais. Por isso, digo que nosso DNA é Di Renziano", brinca Claudia.

A opção por abordar o homem e toda sua complexidade foi o mote dos vários espetáculos do grupo ao longo desses anos. O mais marcante, "Meu dentro é o que escorre", de 1998, teve canções de Arnaldo Antunes. "Foi um trabalho muito visceral, um mergulho na linguagem oriental, que nos exigiu muito corporalmente porque não tinha nenhuma palavra em cena. Fui indicada como melhor atriz", relembra.
 

Resistência e resiliência
Pelo grupo já passaram milhares de jovens, como o ator Luciano Quirino e o cantor Conrado Pouza, entre outros que carregam tanto o “DNA Di Renziano”, como a ideia de que a arte é uma ferramenta para causas sociais. “Seja no teatro ou dança, quem nos conhece, sabe que aquele ator ou atriz fez aula no Orgone”, diz Renato. 

“Somos um grupo de resistência, que marca, promove discussão, tira as pessoas do lugar comum, principalmente, por nosso trabalho não ser comercial ou não agradar de forma 'populesca'. Resiliência também nos define, porque a gente sabe o que quer para o futuro”, afirma Claudia.

Leitura artística da loucura
O Orgone é mantido Associação Projeto TamTam, que atualmente oferece atividades como balé, jazz, artesanato, e (claro!) teatro, para 195 pessoas com e sem deficiências ou síndromes. Um viés social que acompanha o grupo desde o início e está presente nos espetáculos apresentados pelos atores formados pela associação.

"Eu trouxe para o grupo a experiência com o hospital psiquiátrico. Toda personagem é louca e tem uma bagagem, que é seu hospício particular. Recentemente, apresentamos o espetáculo "A Terra pode ser chamada de chão", no Teatro Municipal, com elenco diferente, que foi sucesso de público. Não é somente exibir a pessoa com deficiência, colocá-la de mãos dadas com outra para atravessar o palco. Eles são atores, têm expressão, corpo. Não é terapia. Nós temos um teatro de pessoas, e não, de cegos, surdos", diz Renato.

Nesta época do ano, a Tamtam realiza o projeto Na trilha do Noel, distribuindo presentes para crianças em vulnerabilidade social, em bairros pobres da cidade. "Este ano, em que há banalização do afeto, vai ser diferente. Não vamos arrecadar brinquedos. Vamos levar a esses locais apresentações de música, dança e teatro e, o principal, abraços", explica Claudia.

Teatro deselegante
No momento em que a arte sofre uma espécie equivocada e antiquada de censura, o Orgone apresenta, para comemorar o aniversário, o espetáculo "Out-door", com estreia neste fim de semana (4 e 5), às 20h, em sua sede, no Café Rolidei.  

Nas palavras de Di Renzo, que assina a direção, é uma peça "deselegante, nesses tempos de diversos ditadores e em que, tão urgente quanto se expor, é tomar posição. As coisas acabam saindo do particular. Estou falando do homem, mas o expondo, falando da dor, e a expondo. É deselegante falar dessas coisas".

O texto, explica o diretor, vem sendo pensado em encontros do grupo. "Está em construção. Eu trouxe uma provocação deste texto há algum tempo e trabalhamos nele. Ele aborda problemas que, queiramos ou não, estão presentes no cotidiano, quando se fala em diversidade, pluralidade, diferenças, dores e amores. Vamos apresentá-lo em seis encontros. Então, serão seis públicos diferentes e seis leituras diferentes ". 
 

Serviço:
Orgone 30 anos – Espetáculo "Out-door"-
Dias 4,5, 11, 12 e 18 e 19, às 20h, no Teatro Café Rolidei (Av. Pinheiro Machado, 48, Vila Mathias). Ingressos: R$ 15.