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Onde estão os patos e as panelas?

08/07/2017
Onde estão os patos e as panelas? | Jornal da Orla

Listas, delações, gravações. As recentes revelações envolvendo os principais atores da política nacional deixaram o povo brasileiro perplexo, mais até do que no ano passado, em uma crise que culminou no impeachment de Dilma Rousseff (PT). Naquela ocasião, milhares de pessoas por todo o país para as janelas e varandas bater panelas. Numa das principais avenidas da capital paulista, instalaram um pato de borracha gigante, simbolizando a indignação. Mas e agora? Por que este silêncio ensurdecedor? Os brasileiros perderam a capacidade de se indignar? Há alguma coisa a fazer? Para ajudar a responder estas e outras questões, o Jornal da Orla ouviu os cientistas políticos Rafael Moreira e Fernando Chagas.
 

Indignação seletiva
Rafael Moreira acredita que não há protestos iguais aos que pediam o impeachment porque alguns setores que atuaram naquele período não estão saindo mais às ruas. Os três grandes movimentos que se diziam apartidários ou do campo da direita não estão convocando manifestações. "O MBL (Movimento Brasil Livre), o Vem prá Rua e o Revoltados On-line foram os três pilares de sustentação social do impeachment. Levavam gente para as ruas mas tinham um financiamento um tanto obscuro, o que ficou claro depois, por intermédio de áudios, que tinham financiamento de partidos políticos", afirma.

Segundo ele, este esfriamento revela que havia uma indignação seletiva contra Dilma e seus aliados. "As pessoas até reconhecem que existe corrupção, mas, não sendo de um governo do PT, elas não se sentem impulsionadas a protestar. Não há mais uma fagulha que as faça irem para as ruas", argumenta.

 

Fadiga de material
Para Fernando Chagas, há uma "fadiga de material": as pessoas estão cansadas com essa forma de fazer política e não têm forças para reagir mais uma vez contra a corrupção. "O campo conservador da política organizou movimentos de rua pelas redes sociais para pedir o impeachment da presidente, para tirar o PT. Hoje, a população percebeu que a situação do Brasil não melhorou. A economia continua estagnada, o desemprego não diminuiu e a renda da família brasileira não cresceu no período Temer. Essa frustração causou desânimo e desmotivação na sociedade em geral", explica.

Chagas acredita que as pessoas estão totalmente desencantadas com os políticos tradicionais. "Aos olhos da população, as ações políticas praticadas no Brasil servem apenas para os interesses dos próprios políticos, em desfavor da população". Para o especialista, "fica cada vez mais evidente que os conservadores queriam simplesmente tirar o PT do poder e, sobretudo, a presidente Dilma, inclusive para barrar a Operação Lava Jato".

 

Fla X Flu
Chagas destaca outro aspecto que ajudou a acirrar os ânimos. "A forma hegemônica do PT governar, dividindo o país, em dois colaborou com a radicalização política no país, há um verdadeiro "Fla x Flu" na política brasileira. Enquanto não houver uma atenuação dessa briga política radicalizada, o país não vai sair da crise política, porque um lado impede que o outro governe", alerta.

 

E agora?
Os cientistas políticos indicam caminhos para a população brasileira sair deste estágio, que mistura perplexidade, desalento e indiferença. "O primeiro passo é se informar, é pré-requisito de uma sociedade democrática. A pessoa tem que estar disposta para saber o que está acontecendo, ouvir diferentes pontos de vista", pondera. Segundo ele, o segundo passo é se mobilizar coletivamente. "Bater panela na janela é muito individualista, a pessoa no conforto do seu lar nem se dá ao trabalho de descer para a rua, no espaço público. Protestar faz parte do  jogo democrático, ter o direito de se manifestar livremente, desde que não esteja ferindo a integridade física de outra pessoa", afirma. 

 

A saída
Fernando Chagas avalia que a tendência é Temer cair, independentemente dos movimentos de ruas e das panelas batidas nas janelas e varandas, mas sim pela falta de sustentação política do Congresso Nacional e também pela retirada gradual do apoio dos empresários. Mas alerta: "o mais preocupante é que o candidato a presidência da República em 2018 que falar a verdade sobre a situação econômica e social do país tem poucas chances de ganhar as eleições. Por outro lado, aquele que falar que as reformas não são necessárias e o país vai sair dessa situação sem dores terá todas as chances de se tornar presidente do país, embalado pelo e-marketing que já causou tantos danos à sociedade brasileira. Está na hora de os candidatos falarem a verdade ao povo brasileiro, para evitar novamente um estelionato eleitoral. Nós só vamos sair das crises política, econômica, social e ética com o discurso verdadeiro aos eleitores do Brasil".
 

 

Protestos beneficiariam apenas Lula, diz organizador de atos em Santos

Líder da Mobilização Santista, o advogado Fernando Lobão organizou 18 manifestações pedindo o impeachment de Dilma Rousseff. Agora, ele afirma que um protesto de rua beneficiaria apenas a candidatura de Lula. Além disso, segundo ele, a população desanimou. "Demos uma chance à classe política e, infelizmente, não deu certo”.

 

Como você avalia o cenário político atual?
Fernando Lobão-
É uma grande vergonha, mas já era previsto. Não melhorou nada, piorou. A cara-de-pau, a desfaçatez. E é mais vergonhoso ainda os nossos congressistas da região não terem uma opinião formada. E isso vai ter um impacto direto nas eleições de 2018.

 

Por que não há mais manifestações nas ruas?
Lobão-
Houve uma retirada da população da rua porque ela estava há três anos fazendo manifestações, manifestações, manifestação… há um desgaste muito grande da população. Demos uma chance à classe política e, infelizmente, não deu certo. Até sou a favor de manifestações contra o governo Temer, mas isso beneficiaria o principal culpado disso tudo, o Lula. Ir para as ruas hoje iria beneficiar a candidatura do Lula.

 

Mas você não acha que as pessoas não irem para as ruas dá a impressão de que esta corrupção é algo tolerável, de que apenas a corrupção da Dilma, do Lula e do PT era inaceitável?
Lobão-
De maneira alguma, a população apoia a Lava jato. O problema é o desgaste total e absoluto. Querendo ou não, a Constituição diz que a linha sucessória é aquela. Existe uma parcela minoritária da população que acha que a indignação é seletiva, mas isso não é verdade. Você não viu ninguém indo para as ruas defender o presidente Temer. Não conheço uma única pessoa que defende Aecio Neves, um dos maiores canalhas que eu já vi na minha vida. Deveria estar preso. 

 

Você organizou 18 manifestações. Por que agora não está mobilizando para uma contra Temer e Aecio?
Lobão-
Fizemos uma contra Temer, lá atrás, no ano passado…

 

A situação só piorou, apareceram gravações, delações ele está formalmente investigado. Não é motivo para convocar uma manifestação?
Lobão-
Eu acho que devia haver manifestações, mas infelizmente isso não é consenso em todo o país. Todas as manifestações não são individuais. Em Santos MBL e Vem pra Rua não existem. Eu organizava através da Mobilização Santista. Não organizo isso aí sozinho, existe um calendário. Por enquanto não tem nada previsto, mas isso pode mudar.