Toda grande vida dum artista é narrativa do seu povo: ninguém expressou tanto o experimento, a criatividade e os limites da musicalidade brasileira quanto Gilberto Mendes: ele foi precursor de todas inventividades sonoras desse lado do Atlântico: um DJ clássico. Canto coral, baladas a partir de poemas, introdução dodecafônica e concreta no país que recém perdia Villa Lobos. Mendes implodiu o bom mocismo nas estruturas sinfônicas e, ao lado dos poetas concretistas, deu-nos uma monumental plataforma sinestésica e imagética: antecipou a internet na Arte sem nem imaginar casamento da Web com Arte: foi nosso Bill Gates atonal e tranZmoderno.
O que surpreende é que, ao lado do cosmopolitismo do musicólogo que morou em Wisconsin e Texas lecionando, do compositor interpretado nas melhores salas de concerto desde Viena, Paris e Moscou e do jovem maestro estudando na fonte da Neue Musik na Alemanha, havia o santista radicalmente comprometido com o mar de sua terra! Gilberto Mendes, ao lado de Vicente de Carvalho e Plínio Marcos, forma a tríade de santenses universais: criaram obras monumentais, deixaram gerações de admiradores influenciados por seu gênio e eternizam-se não provincianamente: deitam raízes eternas na cultura nacional!
Não podemos imaginar que os mitos estão mortos nem supor que nossa cidade não vem gestando outros valores de inovação! O maior legado desse mestre plural, artesão e agitador, é a perpetuação de nossa capacidade de sacudir o marasmo e vibrar com novos “meninos da Vila’: na musica erudita, na literatura, no teatro: Santos precisa sempre estar à altura do seu maestro soberano que tanto a cantou!
Jamais o esqueceremos, Mendes!
* Flávio Viegas Amoreira é escritor