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Relato de uma busca

22/06/2022
Relato de uma busca | Jornal da Orla

A estória de um pai em busca da filha desaparecida durante a ditadura militar

“Tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu”. Com esta epígrafe Kucinski abre o seu poderoso K.: Relato de uma busca, guiando o leitor através da absurda busca de um pai por sua filha desaparecida durante a ditadura civil-militar brasileira. Meio autobiografia, meio ficção, acompanhamos a saga kafkiana do senhor K. (pai de Bernardo Kucinski) pelos meandros de um Estado militar que mente, humilha, escarnece, tortura e mata.

O livro é um romance-testemunho em forma de alta literatura. A memória do autor ergue-se como um libelo contra o terrorismo de Estado praticado pela ditadura militar. Há capítulos inesquecíveis, e por eles o leitor toma dimensão do destino imposto à filha do senhor K. Personagens e eventos reais cruzam a narrativa para confirmar a brilhante epígrafe do livro: tudo é invenção, mas quase tudo aconteceu.

Ao fim e ao cabo ecoam as palavras do senhor K. perante uma sádica junta militar que de tudo faz segredo e desinformação: “Mas e a minha filha?”, balbucia o velho de corpo cansado e olhos crispados, a encarnação do próprio desespero. Uma tragédia que é de todos nós.

Motivos para ler:
1- Bernardo Kucinski graduou-se em Física mas seguiu sua paixão: o jornalismo. Dedicou-se a escrever romances quando se aposentou como professor titular da USP. Para uma experiência completa, recomendamos ler Os visitantes, livro que complementa os eventos narrados em K.: Relato de uma busca;

2- O terror ditatorial não atinge somente as vítimas. Aqueles ligados por laços de afeição aos vitimados nunca mais descansam. A via crucis experimentada pelo senhor K. é um tocante testemunho da inglória jornada daqueles que buscam respostas e nunca as encontram;

3- A ditadura civil-militar não foi bem exposta à sociedade. Ainda hoje há muita mentira e romantização sobre um Estado militar que aplicou um golpe, cassou direitos de seu povo, torturou e matou quem pensava diferente e piorou todos os problemas do país. A recente eleição de um defensor desse nefasto período – que idolatra torturadores condenados – é sintoma desse Alzheimer nacional. Eis a importância de livros como este: contar a verdade para que nunca mais coisa assim se repita.

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