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Reflexões sobre a guilhotina

31/05/2022
Reprodução

E disse Camus: leis sanguinárias ensanguentam os costumes

Não faz muito tempo que a guilhotina foi acionada pela última vez em França (a foto que ilustra esta coluna retrata o fato, ocorrido em 1977). Os EUA são a única nação ocidental desenvolvida que aplica a pena de morte regularmente. O debate sobre sua (in)eficiência é sempre discutido e questionado.

Este ensaio do enorme Camus se inicia relatando o comparecimento de seu pai a uma execução pública. Indignado com um crime revoltante, quis assistir ao suplício do culpado em praça pública, mas nunca conseguiu falar o que viu: voltou para casa em choque, passando mal e desnorteado. Este é o ponto de partida da sofisticada argumentação de Camus contra a pena de morte: se a justiça só faz vomitar um bom homem ao invés de lhe trazer paz e ordem, há qualquer coisa de errado.

Camus tece críticas sobre todos os pontos em defesa da pena de morte para revelar sua verdadeira face: nada mais do que uma sádica vingança. Para ele, além de inútil, a medida é extremamente prejudicial; afinal, a lei deve existir para corrigir o estado de natureza violento e primitivo, não para imitá-lo, sob pena de incitar a barbárie e perturbar o ideal de paz social.

Motivos para ler:
1- Albert Camus (1913-1960) é cidadão de primeiro escalão da raça humana. Uma vida cheia: como jornalista, atuou bravamente na resistência francesa contra os nazistas. Na filosofia, responde pela inauguração da famosa corrente absurdista. Na literatura, ganhou enorme destaque com os seus A peste, O Estrangeiro e A queda, ganhando o Nobel de Literatura em 1957;

2- O maior argumento em favor da pena de morte seria seu caráter exemplar. Porém, as execuções são ocultas e cobertas por eufemismos. Dirá Camus, com propriedade: “Se o que se deseja é que a pena seja exemplar, deve-se convidar todo o povo e televisionar a cerimônia para os ausentes. Ou se faz isso ou então se deixa de falar em exemplaridade”;

3- O tema ganha ares contemporâneos num Brasil em que a criminalidade policial produz penas de morte ilegais. Agentes públicos que se julgam acima da lei, pagos pelo Estado, executam civis fora do estrito cumprimento do dever legal. Dois episódios chocaram o país: a chacina na Vila Cruzeiro e a absurda emulação de uma câmara de gás numa viatura policial. Neste cenário, lembra-se que Bolsonaro assinou um amplo indulto (2021) em favor de policiais condenados, libertando uma série de criminosos e os colocando em meio à sociedade, o que só agrava o problema.

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