
Imagine um aplicativo com game gratuito instalado no seu celular ou tablet. Antes de iniciar o jogo, ele pergunta como você se sente, como está o seu humor e quantas horas você dormiu na noite passada. Imagine, agora, que, com um valor menor do que um site de filmes, ele memoriza essas e outras informações e gera relatórios que podem ser acessados pelo seu médico, na véspera da sua consulta de rotina (Somente se você quiser e permitir). Imagine, por fim, que o próprio aplicativo vai te alertar quando chegar a hora de parar de jogar e que as horas que você gastou, sem sucesso, tentando encontrar respostas para os desafios que ele propôs, sejam substituídas por uma caminhada ao ar livre.
Esse game existe, chama-se “Cérebro Ativo”, e levou seu criador, Fabio Ota, a assinar artigos científicos ao lado de médicos do Hospital Sírio-Libanês e profissionais da Saúde do Hospital das Clínicas, UNIFESP e USP e a dar aulas no Instituto Sírio Libanês de Pesquisa para futuros Geriatras e na Santa Casa para futuros Gerontólogos. A especialidade de Ota e sua empresa, a ISGAME, é desenvolver jogos voltados para pessoas 60+, para apurar a compreensão, a atenção, a memória e a velocidade de raciocínio.
Há cerca de 10 anos, a ISGAME tem realizado o Programa Cérebro Ativo, ensinando idosos a jogar e até mesmo a desenvolver videogames no computador. Entre 2018 e 2020, foi desenvolvido o aplicativo “Cérebro Ativo”, ampliando o alcance do programa para dispositivos móveis e tornando-se uma ferramenta essencial nos treinamentos.
O Programa PIPE (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas) da FAPESP financiou parte dos estudos da ISGAME e o Aplicativo Cérebro Ativo, abrindo portas antes impensáveis. Sempre inquieto, Ota quis investigar se os idosos seriam capazes não apenas de jogar, mas também de criar seus próprios games. O resultado foi surpreendente: um estudo com cerca de 70 participantes mostrou que o aprendizado de técnicas de criação de jogos aprimorou significativamente a memória e o raciocínio lógico dos idosos. Mais do que isso, a experiência ajudou na prevenção do declínio cognitivo e da Doença de Alzheimer. Os idosos que desenvolveram seus próprios jogos apresentaram um desempenho ainda melhor do que aqueles que apenas jogavam.
Em seguida, Ota foi convidado para participar de um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que pretendeu avaliar o impacto da alfabetização digital e do treinamento com jogos digitais nos 60+. De novo, surpresa: os que haviam sido alfabetizados e jogaram apresentaram melhoras na concentração e na orientação espacial, indicando que, com a ajuda dos games, seria possível ajudar a estabilizar doenças que atingem o cérebro na velhice.
Mas veio a pandemia e tudo parou. Foi uma mudança de chave para a ISGAME. Mesmo confinados pela Covid-19, Ota procurou manter o engajamento do grupo com a incorporação de uma nova funcionalidade no “Cérebro Ativo”, projetada para acompanhar o estado mental e emocional do grupo de 60+. O game passou a falar diretamente com os idosos, inaugurando o canal direto entre os pacientes e seus médicos.
Agora, novas melhorias estão em desenvolvimento. Inicialmente, havia planos para integrar um relógio ou pulseira digital com GPS para monitorar batimentos cardíacos e o número de passos dentro de casa. No entanto, essa ideia foi descartada devido ao alto custo, e a solução encontrada foi implementar um sistema de automonitoramento no próprio aplicativo, tornando a tecnologia acessível a um público maior.
Outro avanço em andamento é a Inteligência Artificial que já consegue avaliar sinais de depressão e identificar mudança de hábito que possam afetar o bem-estar do idoso. “Todos os processos do aplicativo têm como base conceitos biopsicossociais”, diz ele, “que estudam a causa ou o progresso de doenças utilizando fatores biológicos, psicológicos e sociais”.
Esses novos módulos aportarão funcionalidades ainda mais sofisticadas ao game. Um deles recebeu o nome de “Árvore Genealógica” para combater o isolamento social a que muitos idosos se submetem. O usuário poderá abastecer o game com informações de toda a sua rede de parentes e amigos, com o histórico de saúde de cada novo integrante de sua rede de contatos. Outra inovação é a que o aplicativo registra todos os seus dados emocionais, como, por exemplo, os que resultaram em momentos de maior ou menor disposição física, ou ainda acontecimentos do cotidiano que provocaram ansiedade, irritação, depressão e tristeza.
O cenário é futurista, lembra filmes em que a vida dos cidadãos é vigiada e controlada. Neste caso, porém, é uma questão de preservar a segurança e a saúde. Como Ota enfatiza “O videogame é apenas um instrumento a mais para promover a saúde mental e a socialização das pessoas”.
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