
Em vez de um comerciante dono de negros escravizados, um homem que fugiu para um quilombo e viveu até os 110 anos; no lugar do dia de um golpe de estado, um arquiteto que foi torturado e morto durante a ditadura. Mudanças nas nomenclaturas de vias públicas estão sendo cada vez mais frequentes – uma tentativa de fazer uma reparação histórica . Porém, e esta é a grande discussão, o desafio é estabelecer critérios para definir quais casos mudar o nome de uma rua ou viaduto realmente é importante.
Trata-se de um debate mundial. Em outros países, os questionamentos de homenagens a personagens nada nobres da história são cada mais numerosos e culminam em protestos como a destruição de estátuas.
Na Bélgica, por exemplo, uma estátua de rei Leopoldo II, que comandou um verdadeiro genocídio no Congo (África) foi destruída por cidadãos e o governo local mudou o nome de diversas vias que levavam o nome do facínora.
No Brasil, a estátua do bandeirante Borba Gato foi incendiada – os responsáveis pelo ato argumentaram que ele, tido como um herói paulista, era um escravista e dizimador de povos indígenas.
Recentemente, em Santos, uma travessa no Centro Histórico teve o nome mudado. Em vez de lembrar Comendador Netto, um comerciante do século 19 que mantinha negros escravizados, a via passou a se chamar Anísio José da Costa, um angolano que fugiu para o Quilombo do Jabaquara e viveu até os 110 anos.
Outras mudanças
Há também alterações que buscam prestar homenagens a personalidades, mas que são exatamente uma reparação histórica. Dois exemplos são a mudança da avenida Saldanha da Gama, um almirante monarquista contrário à proclamação da República, para Rei Pelé; e a rua Guaiaó (como os indígenas se referiam à ilha de São Vicente) para Alameda Armênio Mendes, notável empresário, principalmente no setor de construção civil.
Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, o professor Rafael Moreira explica que as mudanças devem ser observadas considerando o momento histórico em que elas acontecem. “Ela sempre representa os valores daquela época e também a correlação de forças entre os diferentes campos ideológicos. Então, no passado, a sociedade homenageava escravocratas porque as pessoas apoiavam esse tipo de estrutura econômica”, explica. “O objetivo de mudar, no sentido de uma reparação histórica, é sempre para mostrar que os valores do momento histórico atual mudaram”.
Critérios
O cientista político pondera que o grande desafio é definir critérios para promover estas alterações. “É possível avaliar se aquela pessoa fez algum feito relevante para a sociedade que está querendo homenageá-la, se teve uma vida pautada por valores éticos e morais. Mas o problema é que isso varia de pessoa para pessoa e a correlação de forças, que também vai mudando com o passar do tempo”.
Rafael Moreira destaca que, no final das contas, esses critérios vão ser subjetivos para cada um dos legisladores. “Um feito que pode ser relevante para mim, ou um critério que pode ser objetivo para mim, pode ter uma leitura completamente diferente para outra pessoa”, explica. n
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