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Justiça condena despachante aduaneiro por injúria racial em restaurante

27/01/2023
Justiça condena despachante aduaneiro por injúria racial em restaurante | Jornal da Orla

Empresário chamou funcionários de “preto sujo, crioulo, pretinho e serviçal”

Um empresário foi condenado por injúria racial contra dois funcionários do restaurante Madê, por tê-los chamado de “preto sujo, crioulo, pretinho e serviçal” e ainda chamado do dono do estabelecimento, o chef Dario Costa, de “burro” por ter funcionário “preto”.

O juiz Leonardo de Mello Gonçalves, da 2ª Vara Criminal de Santos, condenou o despacahante aduaneiro José Severiano Morel Filho, de 65 anos, a pagar multa de 40 salários mínimos a cada um dos trabalhadores (cerca de R$ 104 mil, no total) e prestar serviço comunitário.

O seu advogado, Armando de Mattos Júnior, informou que ainda está no prazo para a apresentação das suas razões recursais ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

Além de depoimentos das vítimas e testemunhas (clientes do restaurante), o juiz embasou sua decisão no laudo pericial de degravação de imagens de câmeras do restaurante.

“Ficou patente a intenção do acusado José Severiano de injuriar as vítimas Pedro e Nelton com o objetivo de ofender a dignidade delas, utilizando-se de elementos de raça e cor das pessoas”, concluiu Gonçalves.

Além de condenar o empresário, o juiz determinou o envio à Polícia Civil de cópias da denúncia, da sentença e da mídia contendo o interrogatório do réu e os depoimentos das testemunhas, para apurar suposto crime de falso testemunho cometido pela mulher que acompanhava o empresário. Em juízo, ela declarou que não presenciou e nem escutou nada do que ocorreu no restaurante Madê.

Injúria racial e racismo

Se a Lei 14.532, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 11 de janeiro, estivesse em vigor na data do episódio (28 de janeiro de 2020), o despachante aduaneiro teria sido condenado a uma pena mais severa.

A Lei conferiu à injúria racial a mesma gravidade do crime de racismo, sendo a sua pena elevada de um a três anos para dois a cinco anos de reclusão.

O juiz condenou José Severiano Morel Filho a quatro anos de reclusão, em regime aberto, pelos dois delitos de injúria racial. Foi aplicada a causa de aumento de pena de um terço prevista para as hipóteses de o crime ser cometido na presença de várias pessoas (artigo 141, inciso III, do Código Penal). Para o julgador, esse fato é “facilmente comprovado pela narrativa das testemunhas que presenciaram o ocorrido e intervieram em favor das vítimas, e também pelas imagens do local”.

As informações são do portal VadeNews, editado pelo jornalista Eduardo Velozo Fuccia.

 

Preconceito racial internalizado

Embora o réu tenha negado em seu interrogatório qualquer ofensa com referência à cor da pele das vítimas, concluiu que ele “falhou em sua narrativa” e, na tentativa de refutar a acusação, reafirmou o seu “preconceito racial internalizado”.

“Há de se ressaltar que o réu, ao querer demonstrar não ser racista, listou vários empregados que se relaciona por conta do seu trabalho, mas há de se ter em conta que ele, implicitamente, fez a conexão da cor da pele com funções distantes do cargo que ele ocupa como dono de uma empresa. É só notar na lista de profissionais que ele indica: ‘controlista, estivador, operador de pátio, operador de empilhadeira, pessoal de bloco, motorista de caminhão’”, assinalou o julgador na sentença.

Ainda conforme o acusado, o falecimento de uma empregada doméstica “negra”, que trabalhava em sua casa há dez anos, lhe causou depressão. “Tudo isso foi uma tentativa de demonstrar que não possui preconceito racial, buscando utilizar da máxima que está cada vez mais em voga, quando uma pessoa tenta justificar que não possui preconceito dizendo que até tem amigos que são daquela raça ou cor pela qual quer se eximir de preconceito”, acrescentou Gonçalves.

Para o magistrado, “ficou claro que o réu não tem condição de apontar qualquer amigo ou amiga negra ou parceiro comercial negro, restando apenas indicar funcionários e funcionárias negros”. O juiz ressaltou a “relação de desigualdade profissional” entre o empresário e os seus colaboradores.

Outro argumento do empresário foi o de que a equipe do restaurante, como espécie de vingança, inventou a história de injúria racial porque ele não gostou do prato servido. No entanto, a versão do réu restou isolada nos autos, segundo o juiz, porque as vítimas e testemunhas foram “uníssonas” em detalhar as ofensas proferidas pelo acusado.

O juiz considerou duas circunstâncias desfavoráveis ao acusado na dosimetria. Uma delas decorre do “péssimo exemplo” dado pelo réu ao injuriar as vítimas na presença de um menino. A criança é neta de uma amiga do empresário, que o acompanhava no restaurante. Segundo testemunhas, o acusado dizia ao garoto que, quem possui boas condições financeiras, pode fazer o que quiser. Para o julgador, o sentenciado demonstrou acreditar na impunidade.