No livro A Biblioteca da Meia-Noite, o escritor inglês Matt Haig coloca a personagem Nora Seed, aos 35 anos, entre uma variedade imensa de livros. Em cada um deles, uma vida que poderia ter sido vivida por ela se tivesse feito outras escolhas. Nora tinha desistido de ser nadadora olímpica, de ser vocalista de uma banda de música pop, de mudar para a Austrália com uma amiga, de casar. Também consta ter sido péssima tutora de um gato chamado Voltaire. Cada livro representa uma oportunidade de viver uma vida diferente a partir do ponto de alguma das escolhas dela.
Teriam sido livres para a personagem Nora essas escolhas?
A questão do livre arbítrio divide os filósofos. Também divide os religiosos. Existe a possibilidade de escolha? Ou nascemos com o destino marcado com ferro em brasa na alma? De que lado você, leitora/leitor, se coloca?
Spinoza, pensador poderoso, é taxativo: a crença humana no livre arbítrio se assemelha à ilusão de uma pedra lançada pensando que escolhe o próprio caminho enquanto cruza os ares até cair. O filósofo holandês, lá do século 17, é taxativo: “Seres humanos se consideram livres porque têm consciência dos desejos. Mas na verdade ignoram as causas pelas quais são conduzidos a desejar.”
Somos conduzidos para o desejo como a boiada que vai para o matadouro?
Outro peso pesado da ciência, o físico Pierre Laplace, criou a figura teórica de um demônio. O demônio de Laplace conhece todo o passado e as leis naturais. E com esse conhecimento, consegue prever o futuro com exatidão.
O teólogo francês João Calvino, do século 16, defendeu a ideia de que Deus, na onisciência, sabe exatamente o destino de cada ser criado por ele. Para calvinistas, não existe nenhuma margem para o livre-arbítrio.
Já no existencialismo de Martin Heidegger, a história de cada indivíduo influencia as escolhas dele. Mas não determina.
A genética, a cultura, o ambiente, o comportamento de pais, professores e colegas são fatores de formação da personalidade que vai direcionar escolhas.
Na contramão desse determinismo, a visão espírita codificada no século 19 pelo educador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail com o pseudônimo de Allan Kardec.
Aqui, o espírito, a partir de um certo grau de evolução, tem não apenas um, mas sim dois níveis de livre arbítrio: um antes de encarnar, no plano espiritual, quando escolhe existência, família, provas, sofrimentos e missões da vida que vai iniciar. E outro quando, já encarnado, decide se vai ou não vai seguir o caminho que escolheu, se vai ou não ceder aos arrastamentos que a vida apresenta, se vai ou não “cair em tentações”.
Nas primeiras encarnações os espíritos ainda não têm esse poder de escolha. Como uma criança que vai para uma escola definida pelos pais, eles têm vidas e atribuições ajustadas por espíritos mais evoluídos.
No livro Deus Estava com Ele, a escritora mediúnica brasileira Elisa Masselli conta a história de um casal, Marta e Paulo, que depois de viver um romance atribulado num prostíbulo do Rio de Janeiro no século 19, escolhe no plano espiritual viver resgates dessas atribulações novamente como um casal no século 20, no Piauí. Só que, encarnados, cada um exerce o livre-arbítrio de maneira diferente.
Mas essa história, e também a de uma das vidas possíveis de Nora na Biblioteca da Meia-Noite, ficam para a próxima edição do Jornal da Orla.
Até lá !!!
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