Um olhar sobre o mundo

Chamava o Centro de “Cidade”

23/08/2022
Arquivo Pessoal

A vocação de Santos e da região para o turismo conta com as praias, como atrações principais, o Parque Estadual da Serra do Mar, muralha natural dos seus limites territoriais, e desperdiça os seus valores patrimoniais históricos centrais, onde aprendemos mais sobre as nossas formações urbanas. Quando cheguei a Baixada Santista, há 51 anos, e ainda menino fui trabalhar no centro histórico de Santos, acostumei-me a me referir ao lugar como “Cidade”.

Faz tempo que não ouço essa referência nativa, mas inadvertidamente digo que vou à “Cidade” resolver alguma coisa e percebo que não me faço entender. Porém acho curioso que os desentendidos nem questionam essa referência, porque sabem do meu apreço pelas ruas e edificações históricas e tradicionais do Centro, que sempre me impulsionam fotografar sob ângulos novos, descobertos de passagem, por curiosidade ou tristeza diante do estado de deterioração do patrimônio cultural material de Santos.

Não sabia que 16 de agosto fora escolhido em 2000, como o Dia do Centro de Santos. O motivo é porque houve um jornal local, O Comercial, que circulou pela primeira vez nessa mesma data em 1857. Aliás, bem apropriada, para exibir que a indução da cidade ao desenvolvimento do comércio, porto, café, trabalho e serviços, sempre foi marcada por laços importantes, representados por veículos de imprensa, porta-vozes de uma comunidade multicultural e mobilizada.

Me aproveito desse contexto para provocar uma reflexão sobre o que temos feito para reconhecer, recuperar, proteger, manter e conservar os traços que justificam a nossa formação cultural e o orgulho da tal santisticidade, cantada em prosa e verso pelos escritores e poetas Nelson Salasar Marques e Flávio Viegas Amoreira e recentemente reconhecida inclusive pelo atual prefeito Rogério Santos.

Certa vez, Salasar Marques escreveu que “toda a última sexta-feira do mês me pego caminhando pelo centro da velha Santos à procura de alguma coisa. É como dizia este genial T.S. Elliot, ‘… indo ao mesmo lugar e vendo o lugar sempre pela primeira vez’. Essa parece ser a grande sabedoria. É como se alguma coisa que venho procurando, estivesse ali enterrada, naquelas ruas e becos que parecem contemplar os passantes com madura e compreensiva sabedoria. Porque os prédios falam uma língua de pedra que a poucos é dado compreender.”

Agora fui questionado sobre caminhos para a “Cidade”, que no começo das tardes parece esvaziada de gente, com portas cerradas de atividades e perspectivas. Em todo o mundo, exemplos de edificações históricas com novos usos são achados e, desde a década de 1930, houve um incentivo à utilização diferente dos originais, confirmando as doutrinas de restauro da época. Na Europa, a revitalização de construções históricas é crescente, sem improvisos e desvios.

Desde 2003, Santos conta com programas de requalificação da região central histórica, no “Alegra Centro”, redimensionados e atualizados também por leis municipais em 2019, definindo diretrizes para o uso e ocupação do solo, além de dispor sobre os elementos que compõem a paisagem urbana, fixando normas, padrões e incentivos fiscais. A “Cidade” em ruínas não pode ser só porto.

Carece envolver os três entes federativos – município, Estado e União. Nossa “Cidade” possui essas interfaces, com propriedades e posses de prédios e serviços nessa região. E é certo que uma atuação forte na conservação da memória, tonificará o ânimo social, o turismo, a economia, valorizará o mercado imobiliário, melhorará o desempenho dos equipamentos e instalações em geral, com redução de custos e garantia de segurança e conforto para todos que os desejam perenes e úteis.

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