Bruna Lima, Breno Sant’Anna e Felipe Roque
Completar 100 anos é um marco que cada vez um número maior de pessoas conseguem alcançar. É um privilégio chegar ao centenário ou mesmo próximo desse marco preservando a lucidez e trazendo consigo memórias de valor inestimável. É assim que se define o cabeleireiro aposentado Anizio Esperidião. Ele, que tem 104 anos, faz questão de frisar que tem quase a idade de seu time do coração. “Eu tenho quase a idade do Santos Futebol Clube”, reforça ele lembrando que o clube da Vila Belmiro completou em abril 112 anos.
Apesar de alguns problemas de saúde, seu Anizio faz questão de seguir acompanhando todas as notícias do seu time. “Isso faz a gente ficar bem informado e continuar com a mente em funcionamento”, explica ele, que se mantém com a memória afiada para contar mais de um século de histórias.
Anizio faz parte de um contingente de mais de 37.814 pessoas (27.244 mulheres e 10.570 homens) que cruzaram a linha de um século de vida no país, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números parecem modestos diante do total de habitantes, mas, comparando as somas do Censo de 2010 e a contagem do Censo de 2022, o número de “superidosos” cresceu 66,7% (15.138 pessoas a mais). O dado é indicador da longevidade ascendente da população.
Em Santos, o grupo de idosos com mais de 90 anos conta com pouco mais de 4 mil pessoas, ou seja, quase 1%, de acordo com dados da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), responsável pela produção e disseminação de análises e estatísticas socioeconômicas e demográficas do Estado de São Paulo.
Anizio nasceu e cresceu na cidade de São Cristóvão, em Sergipe, e, aos 28 anos, mudou-se para Santos. Ele recorda sua viagem para a cidade onde viveu a maior parte da vida. “Eu vim de navio, que trazia mil e duzentas pessoas, e eu vim na proa, tomando banho de onda“, conta. O motivo da viagem para Santos foi o seu interesse em entrar na marinha e o desejo de ir para a guerra. “Pensava que lá era uma brincadeira”, revela.
Entretanto, a trajetória de Anizio passou longe das zonas de batalha; tornou-se cabeleireiro, profissão que exerceu até os 90 anos de idade e mudou a sua vida. “Eu era barbeiro de alguns jogadores do Santos. Tive contato com o Pelé, conheci ele ainda quando menino”, conta. Fanático pelo Alvinegro, afirma conhecer a Vila Belmiro que nem a própria casa e recorda a primeira vez que foi ao estádio. “Iam jogar São Paulo e Santos, e o São Paulo tinha o jogador mais falado do mundo na época, Leônidas da Silva, eu fui para ver o Leônidas jogar, em 1948. O Santos ganhou esse jogo, e eu me afeiçoei”, conta.
O cabeleireiro é apaixonado por futebol, mas também procurou outros amores durante sua vida. Ficou viúvo aos 73 anos e conta que, mesmo mais velho, foi ao programa do Silvio Santos participar de um quadro de relacionamentos. “Participei do ‘Quer Namorar Comigo?’, no SBT. Eu me inscrevi e eles me chamaram, mas a moça não aceitou porque disse que eu era velho demais.” Apesar de não ter dado certo no programa, anos depois se casou novamente, aos 89 anos de idade, com Meire Silva, na época, com 47 anos. Ambos vivem juntos até hoje.
Anizio acompanhou o crescimento de quatro gerações, desde seus 4 filhos até seu tataraneto. Ele se considera realizado com a vida, embora reconheça que nem tudo é perfeito. “A gente é obrigado a viver com o que gosta e com o que não gosta”, reflete. Essa aceitação, segundo ele, é parte do segredo da longevidade, que também inclui “controlar a vida, ter paciência com as coisas e ser calmo”.
Há quem, no entanto, esteja em contagem regressiva para chegar como Anízio. Aos 96 anos, Lázara de Oliveira, aos 96 anos, aguarda ansiosamente o centenário. No entanto, diz não fazer muitos planos. Vive pensando no presente, de forma leve e um dia de cada vez. “Minha vida é o momento”, afirma. Franzina, pesando 33 quilos e calçando 32, sua condição de saúde não reflete sua fragilidade. “Nunca fiquei doente. Eu sou frágil, mas o meu organismo é forte”, conta, com bom humor.
Nascida e criada em São Paulo, é torcedora raiz do Juventus, da Mooca, bairro onde cresceu. “Sempre gostei de futebol. Eu jogava na rua e às vezes ia ao colégio jogar com as freiras também”, relembra. Ela continuou morando em São Paulo, onde passou 27 anos trabalhando no fórum até se aposentar. No início do ano, mudou-se para a região, onde costumava passar as férias.
Mãe de 2 filhos e viúva há quase dez anos, Lázara conta com detalhes o momento em que conheceu o amor de sua vida, seu ex-marido, no ônibus, em São Paulo. Após descerem juntos e conversarem, ele a acompanhou até a casa do tio dela, tomou café com a família e assim começou a relação. “Eu sou muito despachada. Por que ficar enrolando?”, diz, demonstrando seu jeito extrovertido de ser.
Também relembra com emoção o dia em que perdeu seu companheiro, com quem foi casada por 52 anos. “Ele chegou em casa se sentindo mal, pegou na minha mão e falou: ‘Pega na minha mão, estou gelando’. Eu peguei o lençol e cobri a mão dele. Quando pus os braços dele no meu corpo, ele morreu”, conta. “Senti uma falta terrível. Por isso que nunca quis casar”, complementa.
Atualmente, sua maior preocupação é perder a capacidade de viver com autonomia. “Eu tenho medo de ficar com uma doença incurável. Que eu fique presa na cama sem poder me mexer, sem poder falar”, conta, retificando a importância que dá para aproveitar a vida ao máximo. Cheia de vitalidade, ela gosta de ir em bailes, passear com os netos, viajar e revela já ter lido mais de 100 livros.
Para ela, o segredo para chegar bem à casa dos 90 anos é ter uma alimentação saudável, boa rotina de sono e ler livros. “Um bom prato de comida, às vezes um copinho de vinho, dormir bem e ter meus netos sempre perto de mim”, diz. Ela também destaca a importância de desenvolver uma mentalidade positiva. “Tudo depende da nossa cabeça, para o bem e para o mal”, alerta.
Tranquilidade
Aos 100 anos, vivendo em uma cadeira de rodas e com deficiência auditiva, Ermida Frediani Nunes reflete sobre a tranquilidade de sua vida atual. “Aqui estou calma, estou bem, tenho tudo”, afirma. Ela diz que viveu uma vida plena, nasceu e viveu por um tempo em São Paulo, mas agora prefere os dias simples em Santos, assistindo televisão e descansando.
Ermida, que já desfruta da marca de ter completado o centenário de vida, fala com carinho das memórias de seu marido e filho, já falecidos, e de suas lembranças favoritas. “Gostava de passear, de ir em parques e circos”, conta, descrevendo sua vida sem grandes luxos, mas com a satisfação de quem aproveitou cada momento. Ela não se queixa do passado nem carrega arrependimentos, mas expressa profundo abatimento ao lembrar da perda de pessoas queridas ao longo do tempo. “Dói muito”, diz, com os olhos marejados.
Ela acredita que os segredos para conseguir uma vida longa passam por não desejar mal para os outros, fazer o bem e ter uma boa alimentação, mas alerta sobre a importância de aceitar o ciclo da vida: “A gente está vivendo até o dia que Deus quiser”, diz ela.
Aos 93 anos, Maria Edla de Jesus diz estar em ótimo estado de saúde e diz não se queixar de nada. “Eu não tenho doença nenhuma e não sinto dor”, conta. Assim como Ermida, ela também partilha a afeição pela calmaria. “Minha vida aqui é boa demais. Como bem, durmo bem e assisto televisão”, relata ela revelando que espera chegar aos 100 anos.
Nascida e criada na cidade de Boquim, em Sergipe, morou em São Paulo e em São Gonçalo com o marido antes de se mudar para Santos, onde define como seu lugar legítimo. A mulher recorda sobre sua infância na capital de Aracaju. “A minha vida lá era daquelas boas, eu ia para onde eu quisesse”, relembra, enfatizando seu apreço pela liberdade desde criança. Para ela, as lembranças mais marcantes estão presentes nos momentos simples, como os banhos no Balneário Fonte da Mata e quando corria descalça pelas ruas.
Maria Edla faz questão de manter sua autonomia, especialmente quando se trata de sua casa e de seus 7 filhos. Ela revela ter planos de se mudar para morar perto de uma de suas filhas, mas ressalta seu compromisso de viver de maneira independente. “Eu gosto de viver na minha casa. Quem quiser me ver, vai me ver lá”, afirma, referindo-se ao prazer de estar em sua própria companhia.
Mesmo com a perda de amigos e familiares ao longo dos anos, Maria Edla adota uma postura de aceitação: “Aconteceu, aconteceu. Não vou ficar chorando por isso”, diz. “Quando Deus quer levar, ele leva. A gente não pode fazer nada”.
*Matéria produzida por alunos de Jornalismo da UniSantos com supervisão da redação do Jornal da Orla