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Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro

02/01/2021
Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro | Jornal da Orla

Morremos quando perdemos alguém que amamos, alguém próximo. E morremos quando vimos milhares de pessoas desconhecidas, também morrendo todos os dias.

Morremos com as portas que se fechavam. Quando fomos demitidos e quando tivemos que demitir.

Morremos ao olharmos pela janela e percebermos que já não enxergávamos a nossa própria casa.

Morremos ao passarmos aquele aniversário longe. Quando não pudemos comemorar juntos a tão batalhada formatura. Quando só foi possível acenar da calçada. Quando tivemos que adiar a esperada volta para a casa.

“Acho que fica para o ano que vem, mãe. Se cuida aí, por favor.”

Morremos quando foi preciso manter as mãos nos bolsos e os braços cruzados, quando precisávamos de um abraço apertado.

Morremos quando vimos a ignorância e o egoísmo se espalharem mais rápido do que um vírus poderia. Provando qual era a verdadeira pandemia.

Morremos sufocados pelo preconceito e racismo que ainda não deixam nossa sociedade respirar.

Morremos com ídolos e amigos que partiram.

Morremos ali, das janelas, do portão, das filas dos hospitais. Morremos dos sofás.

Morremos quando não pudemos dizer adeus a quem se foi antes do esperado. E nem mesmo as boas-vindas a quem acabou de chegar nesse mundo. 

Morremos e não foi pouco. Sofremos e não foi pouco.

“Tenho sangrado demais. Tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro.”

Chega. Agora a gente vai é viver.

Pois é, Belchior, você nos presenteou (e Emicida brilhantemente nos rememorou) com a verdade mais antiga do mundo. Aquela que se comprova todo dia, mas que fazemos questão de esquecer: quando você acorda, uma nova vida acorda junto.

Snoopy (tão brilhante quanto Belchior) já nos lembrava que a morte nos virá um dia, mas que em todos os outros estamos vivos.

Não foi fácil. E nem será mais fácil agora que passamos por isso. Nem um pouco.

Será diferente. Se organizar direitinho, todo mundo aprende e evolui.

A gente descobriu que consegue fazer o que nunca imaginou. A gente se reinventou. Fez o novo virar hábito.

Descobrimos capacidades que nunca havíamos testado. E posso falar? Já estamos ficando mestres nelas. A gente é foda.

Tivemos medo. Muito. E não estávamos errados. Mas foi preciso continuar. E nós seguimos. Quando a insegurança bateu, descobrimos que força, compaixão e solidariedade não precisam de Wi-Fi para viajar pelos ares.

O prêmio por não termos desistido? Este ano não vai ser igual ao que passou. Este mês já não vai ser igual ao que passou. Hoje já não é igual a ontem.

Nós estamos muito mais fortes.

E aí, sujeito de sorte, vai fazer o que com a sua nova vida?