No judaísmo, a vida é considerada acima de quase tudo. O Talmud observa que, como toda a humanidade descende de uma única pessoa, tirar uma vida é como destruir um mundo inteiro, enquanto salvar uma vida é como salvar um mundo inteiro.
No entanto, a morte também não é vista como uma tragédia, mesmo quando ocorre no início da vida ou em circunstâncias infelizes. A morte é vista como um processo natural. A morte, como a vida, tem significado e faz parte de um plano divino. Além disso, os judeus acreditam firmemente na vida após a morte, onde aqueles que viveram uma vida digna serão recompensados.
Para lidarmos com a morte, o calendário judaico tem em si uma sabedoria impar e, nele, o ritual do luto possui sequência própria que exprime uma maestria.
Quando perdemos um ente querido, o ritual exige posturas que nos guiam através da dor e que externam o sentimento de perda.
Inicialmente, dá-se a cerimônia do rasgar das vestes, a kriá, que nos remete à alma que se rasga para sempre. A seguir, é o som grave da terra que cai sobre o caixão. É quando a inexorabilidade da morte nos abate.
Logo, a tradição pede que sentemos sete dias de shivá, sem outra obrigação a não ser relembrar a pessoa falecida, em total desconsolo, como a nossa alma. O judaísmo nos possibilita simplesmente chorar nossos mortos neste momento de dor.
A seguir, já tomando o curso de nossa vida normal, temos o shloshim após 30 dias e após um ano, vem a matzeivá. Também são estas as ocasiões de transição do sofrimento.
Estas etapas do luto são como um guia que nos leva através da dor, para que não esqueçamos de retomar nossas vidas a cada passo. Cada momento exige de nós um recato diferente, que vai diminuindo fase a fase, para que não nos percamos na dor e no sofrimento paralisante.
Neste tempo de pandemia do corona vírus, que requer de nós um distanciamento social importante, os rituais estruturais ficam comprometidos.
Os sepultamentos requerem pressa e limite de parentes e amigos.
A sensação de enterrar um ente querido com poucas pessoas ao redor da morada eterna dos que amamos dá a sensação de uma solidão maior ainda.
Mais ainda, a shivá, que nos reserva sete dias intensos de pesar, é sempre acompanhada pela visita de amigos e parentes, a maioria que conviveu com a pessoa falecida, permite que nosso luto seja compartilhado e que memórias de convivência com o ser perdido nos dê uma maior dimensão de suas vidas.
Na pandemia, embora estes dias de luto intenso não possam contar com a presença de familiares e amigos, só o círculo mais íntimo do ente falecido, a tecnologia vem ao nosso socorro, possibilitando visitas virtuais, assim como o minian necessário para as rezas.
Certamente, nestes tempos sombrios, a falta de um minian conveniente e que nos consola é mais um fator que se acresce em nosso período mais dolorido de pesar.
Porém, devemos encontrar conforto com as alternativas possíveis neste momento difícil de toda a civilização e podemos ter a certeza que, um dia, estaremos de novo, em grupo, celebrando a vida e as boas ações da pessoa que perdemos.
Podemos recorrer a uma das frases mais famosas do judaísmo: Gam Zu Iaavor, ou seja, isto também vai passar.