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Resenha da semana: Zodíaco

25/04/2020
Resenha da semana: Zodíaco | Jornal da Orla

Zodíaco é um filme, acima de tudo, sobre pessoas obcecadas. Após seu excelente Seven – Os Sete Crimes Capitais, o diretor David Fincher retorna ao gênero que o consagrou, só que com um filme mais maduro, complexo, minucioso, sem sustos, perseguições ou grandes momentos de tensão (fora a cena do porão que é uma verdadeira aula de suspense), em que ao longo de quase três horas de duração, levanta questões relevantes na sociedade atual, como o papel do jornalismo e as burocracias estatais com uma intensa atenção a seus três personagens principais, deixando o serial killer como um mistério impossível de ser resolvido. O diretor poderia fazer um filme mais curto? Possivelmente, para aqueles que preferem um ritmo mais acelerado como Seven ou que não exija tanta atenção. Mas para aqueles que esperam encontrar uma história que privilegie o processo investigativo, obcecado por cada etapa do trabalho dos envolvidos na longa e complexa perseguição ao Zodíaco, esta é a grande obra prima deste fantástico diretor e um divisor de águas do gênero.

O filme inicia em 1º de agosto de 1969. Três cartas diferentes chegam aos jornais San Francisco Chronicle, San Francisco Examiner e Vallejo Times-Herald, enviadas pelo mesmo remetente. A carta enviada ao Chronicle trazia a confissão de um assassino e as três juntas formavam um código que supostamente revelaria a identidade do criminoso. O assassino exigia que as cartas fossem publicadas, caso contrário mais pessoas morreriam. Um casal de Salinas consegue decodificar a mensagem, mas é Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal), um tímido cartunista, quem descobre sua intenção oculta: uma referência ao filme "Zaroff, o Caçador de Vidas" (1932). Os assassinatos e as cartas se sucedem, provocando pânico na população de São Francisco. Construindo o longa mergulhado em um clima e atmosfera de tensão, David Fincher (que dispensa comentários pela sua filmografia), se mostra mais contido do que seus trabalhos anteriores (mesmo mantendo em algumas cenas suas técnicas precisas de movimentos de câmera, como a que segue por cima a trajetória de um táxi). Ao deixar de lado o foco na identificação do assassino, Fincher cria no público uma sensação de medo e desconforto, onde não importa quem matou ou como matou, mas sim o que cada ação do assassino influenciou nos rumos das vidas pessoais e profissionais de seus protagonistas, e este é um detalhe que faz toda a diferença. Inteligentemente, o diretor recria a passagem do tempo de maneira bem criativa, pontuando o filme com alguns elementos bem humorados, que servem para quebrar a constante tensão do longa. 

Escrito com impressionante disciplina e atenção aos detalhes, o roteiro de James Vanderbilt acompanha a obsessão crescente dos protagonistas, onde acompanhamos suas vitórias e derrotas, juntamente com o efeito destrutivo que as investigações exercem sobre suas vidas. Ao contrário de diversos filmes do gênero, Zodíaco se preocupa em mostrar o complicado caminho de se conseguir um simples mandato de busca e apreensão, pistas falsas que de início parecem promissoras mas que no final não levam a nada e de montar um caso embasado em provas sólidas para permitir que o culpado seja julgado e preso. O roteiro também desenvolve com extrema delicadeza seus personagens, com diálogos cheios de camadas e longe de serem genéricos ou expositivos.

Contando também com uma impecável direção de arte, que faz uma recriação de época impressionante, seja nos objetos visuais ou nos figurinos ou no excelente trabalho de montagem, que mesmo com diversas situações, personagens e locais, não deixa o espectador confuso em nenhum momento, o filme também se privilegia de uma bela fotografia que traz clareza em todas as cenas.

Coroando todo esse trabalho do diretor, há também as excelentes atuações de todo o elenco. Robert Downey Jr. vive com perfeição a decadência de um repórter, que uma vez admirado pelos colegas, mergulha nas drogas e bebida, tornando-se um antigo retrato do profissional que conhecíamos. Mark Ruffalo demonstra toda a segurança do principal investigador do caso para depois sucumbir ao desgaste provocado pela investigação, ao passo que Jake Gyllenhaal, que eventualmente se torna o protagonista do longa, passa de um jovem tímido e retraído para um dedicado e corajoso investigador.

Zodíaco é um filme que vai demandar a atenção do espectador, mas que encontrará aqui um filme maduro, arrebatador e hipnotizante. Com uma carreira incrivelmente consistente, este filme representa mais um brilhante trabalho de um diretor que, inexplicavelmente, ainda não alcançou o devido reconhecimento que merece há anos. 

Curiosidades: Zodíaco é baseado na história verídica de um serial killer que aterrorizou a baía de São Francisco e provocou autoridades em 4 jurisdições, com códigos e cartas, durante décadas.