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Resenha da semana: O Oficial e o Espião

14/03/2020
Resenha da semana: O Oficial e o Espião | Jornal da Orla

Impossível começar a critica a O Oficial e o Espião sem falar em Roman Polanski. Para quem não o conhece, é o famoso diretor polonês que teve sua esposa grávida brutalmente morta pela seita de Charles Manson (evento que é retratado no fabuloso longa Era Uma Vez em Hollywood de Quentin Tarantino).

Não é difícil entender o porquê de Polanski ter se interessado pela história do Capitão Dreyfus, primeiro pela perseguição aos judeus, que lhe é muito familiar e segundo, usar o filme como instrumento de resposta as acusações que o diretor vive em sua vida pessoal.

Mas, estamos falando de Roman Polanski e que aqui, consegue com toda sua elegância, evitar transformar este longa em sua própria defesa (que se tornaria em uma obra cínica e sem sentido) para apresentar um exímio registro histórico e um grande alerta para os tempos atuais. A pergunta que fica é: Conseguimos separar a obra do artista?

O Oficial e o Espião se passa em Paris, final do século 19. O capitão francês Alfred Dreyfus é um dos poucos judeus que faz parte do exército. No dia 22 de dezembro de 1884, seus inimigos alcançam seu objetivo: conseguem fazer com que Dreyfus seja acusado de alta traição. Pelo crime, julgado à portas fechadas, o capitão é sentenciado à prisão perpétua no exílio. Intrigado com a evolução do caso, o investigador Picquart decide seguir as pistas para desvendar o mistério por trás da condenação de Dreyfus.

Polanski é uma das grandes lendas vivas do cinema, dirigindo clássicos como O Bebê de Rosemary e Chinatown, por exemplo. O diretor é extremamente meticuloso na reconstituição de cada etapa do caso (sua marca registrada), dando atenção aos diversos procedimentos do processo jurídico que durou longos anos. O resultado é mais uma excelente obra deste diretor que ,demonstra um compromisso absoluto com a história que está contando, sem cair em armadilhas sentimentais.

É interessante notar a abordagem do diretor, que dedica boa parte dos 132 minutos de projeção para construir, pacientemente, tudo o que resultou na condenação de Dreyfus, incluindo não só a revelação do preconceito com o acusado, mas também a retirada da sentença como autopreservação aqueles que o incriminaram.

Para tanto, o diretor se cerca de um apuro técnico invejável, onde permite que o espectador seja visualmente transportado para a época que o filme se passa. O Oficial e o Espião se vale demais da hábil ambientação construída por Polanski, que dá uma enorme atenção aos interesses envolvidos, tanto pessoais quanto coletivos.

O roteiro, escrito por Polanski em parceria com Robert Harris, que é o autor do livro que originou o filme, é focado fortemente na figura de Georges Picquart e recria um vergonhoso episódio de antissemitismo e corporativismo militar, onde as altas patentes evitam reconhecer  um grave erro jurídico e ainda por cima, acobertaram o verdadeiro criminoso. Mesmo sabendo sobre o eventual desfecho, o roteiro consegue manter o interesse do público até o fim da projeção, mostrando toda a calúnia, falsificações e reviravoltas do julgamento.

Existe uma notável excelência em relação ao figurino quanto à direção de arte do longa, assim como sua fotografia, que é constantemente captada através de luz natural, que traz uma beleza estonteante ao filme (repare nos reflexos em toda as sequencias do julgamento).

Jean Dujardin, ator que infelizmente estava mais acostumado a comédias, mostra que quando trabalha com um material sério, é um excelente intérprete com um semblante que remete as grandes lendas do cinema clássico, ao passo que Louis Garrel (que possui menos tempo de tela do que gostaríamos) demonstra segurança ao interpretar um personagem que é acusado injustamente.

O Oficial e o Espião é mais um acerto na carreira do gênio Roman Polanski. Deixando de lado todas as polêmicas envolvidas com a pessoa, e analisando o artista, o diretor entrega um filme maduro e suntuoso sobre um episódio vergonhoso na história da humanidade.

Curiosidade: A premiação de Roman Polanski como Melhor Direção no César foi seguida de uma debandada geral, no local onde a cerimônia foi realizada. Prevendo problemas diante das críticas recebidas, o diretor não compareceu ao prêmio.

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Foto: Reprodução