Baixada Santista

Solidariedade e Heroísmo

07/03/2020 Da Redação
Solidariedade e Heroísmo | Jornal da Orla

No início da semana, a forte tempestade que atingiu a Baixada Santista deixou mais do que ruas alagadas, árvores caídas, locais sem energia elétrica, carros destruídos. Para muita gente, a água das chuvas levou casas e tirou vidas. Até o fechamento desta reportagem, a Defesa Civil contabilizou 39 mortos, entre eles, dois bombeiros que auxiliavam nos resgates, 41 desaparecidos e centenas de desabrigados em Santos, Guarujá, São Vicente e Peruíbe.

 

Ao mesmo tempo em que causou perdas, a tragédia, sem precedentes na história recente da região, mobilizou muita gente. Nesses quatro dias após o temporal, uma verdadeira avalanche de solidariedade traz esperança para quem pouco conseguiu salvar e, apesar de tudo, sobreviveu.

 

Uma noite para esquecer

Foto: Susan Hortas

 

Na segunda-feira (2), quando choveu mais do que o previsto para todo o mês de março na Baixada Santista, a situação era de caos. A tempestade encobriu calçadas e canais, derrubou árvores, causou deslizamentos de terra nos morros e nas rodovias de acesso à região, impedindo muita gente de voltar para casa. A água da chuva invadiu estabelecimentos comerciais, universidades, estacionamentos subterrâneos e até um ônibus de transporte público.

 

Às 21h, vídeos nas redes sociais mostravam os estragos causados pelo temporal. O socorro começou entre quem pôde fazer o possível em meio a tanta água. No Marapé, a escola de samba União Imperial abriu seu barracão para quem precisasse se abrigar e aguardar o temporal passar. Igrejas e equipamentos públicos também foram abertos naquela noite.

 

Só na manhã de quarta (3) foi possível avaliar o tamanho da tragédia. Nos morros do São Bento, do Tetéu, em Santos, e do Macaco, em Guarujá, locais mais atingidos pelo temporal, o Corpo de Bombeiros contou com a ajuda de voluntários das próprias comunidades para encontrar alguém com vida embaixo dos escombros. 

 

Nessas áreas, muitos moradores foram orientados a recolher apenas documentos e poucos pertences e se abrigar em locais oferecidos pelos municípios. O temporal deixou mais de 800 desalojados e desabrigados em toda a Baixada; 27 mortos em Guarujá, oito em Santos e três em São Vicente. 

 

Heróis sem capa 
Incansáveis, os bombeiros ainda atuam para localizar os desaparecidos entre lama, árvores caídas e destroços. No Morro do Macaco, as buscas são prejudicadas pelo solo encharcado e a dificuldade de acesso ao local, o que impossibilita a chegada de equipamentos maiores. Assim, os trabalhos são feitos quase que de forma manual.

 

A corporação ainda precisou lidar com a perda de dois integrantes em Guarujá. O cabo Rogério de Moraes Santos, de 43 anos, morreu enquanto tentava salvar mãe e filho debaixo dos escombros. Retirado ainda com vida do local, ele sofreu de uma parada cardíaca enquanto era socorrido e morreu a caminho do hospital. Seu corpo foi velado na quarta-feira, próximo aos das vítimas que ele tentou resgatar, em cerimônia repleta de emoção e homenagens ao militar que serviu a corporação por 20 anos. Moraes deixou a esposa e três filhos.

 

O cabo Marciel De Souza Batalha, de 46 anos, foi soterrado no Morro do Macaco enquanto ajudava no resgate da mesma família. Apesar de já constar na lista de vítimas da tragédia, o Corpo de Bombeiros ainda não conseguiu localizar o seu corpo.

 

Na tragédia, a empatia une
Em Santos estão concentradas as principais doações para quem perdeu tudo ou precisou deixar suas casas às pressas por orientação da Defesa Civil. Só o Fundo Social de Solidariedade recebeu uma tonelada de donativos, entre alimentos, água e outros suprimentos necessários para pronto atendimento, que são distribuídos também para as outras cidades atingidas.

 

Como socorro emergencial, as Prefeituras abriram equipamentos públicos para abrigar as vítimas. Na quinta-feira (5), o governo federal reconheceu o estado de calamidade pública em Guarujá e de emergência em Santos e São Vicente. A decisão permite que as cidades tenham prioridade na destinação de recursos federais para assistência às famílias, restabelecimento de serviços e reconstrução de estruturas públicas danificadas pelas chuvas.

 

No mesmo dia, o governo do Estado liberou R$ 50 milhões que serão destinados para intervenções emergenciais, como construções de muros de arrimo e outras medidas para contenção de encostas.
As vítimas das chuvas também contam com o apoio da população de toda a região, que se une para arrecadar roupas, sapatos, colchões, eletrodomésticos, brinquedos, ração para os pets. Muitos estão na organização e distribuição dessas doações nos abrigos e em outros locais que recebem as famílias desalojadas. Há ainda os que se mobilizam pelas redes sociais, apoiando a divulgação dos pontos de arrecadação e atualização da lista de produtos que passam a ser mais necessitados conforme outros estão sendo supridos. Você pode conferir os locais para doações no site do Jornal da Orla e em nossas redes sociais.

 

O valor de ser solidário
A mobilização frente a uma situação de catástrofe é quase um ato imediato para amenizar um pouco do sofrimento do outro. O psicólogo Marcus Vinícius Batista explica que é natural nos sentirmos mais solidários diante de uma tragédia que está mais próxima, como esta que ocorreu em nossa região, pois é mais fácil nos identificarmos com algo que poderia ter acontecido com um familiar, amigo ou com a gente mesmo. 

 

Jornal da Orla – Nós ficamos mais solidários nesses momentos de tragédia?
Marcus Batista – Eu não sei se nós ficamos mais empáticos ou se socialmente é interessante parecermos mais empáticos. Não dá pra medir isso. Pode ser uma questão de compaixão. A empatia é quando eu me coloco no lugar do outro. A compaixão é quando eu percebo que a dor do outro é importante sem, necessariamente, eu me colocar no lugar dele. Ou seja, eu não preciso viver a experiência dele para saber que aquilo dói.  Essa tragédia da chuva aqui da Baixada Santista afetou muita gente direta e indiretamente. Mas do ponto de vista prático é outra questão. O fato de reunir doações, conseguir um atendimento emergencial. Para as pessoas que sofreram perdas como em uma tragédia dessas, as intenções não importam, e, sim, a solução efetiva, de curtíssimo prazo.

 

JO – Então, é mais fácil ser solidário com o que está mais próximo?
Marcus Batista –  A solidariedade, quando tem um rosto, quando tem a personificação, tende a acontecer com mais intensidade. Então, quando eu vejo o outro como alguém que eu possa conviver, porque está perto de mim, esse outro ganha nome, ganha rosto. Se o outro ganha uma identidade real, como tendência, isso deixa o clima de solidariedade mais favorável.

 

JO – Ser solidário faz bem?
Marcus Batista –  Sim. Sempre faz bem. Eu não acredito em um altruísmo puro, nem na ideia de que exista um altruísta no seu sentido literal. Não estou dizendo também que quem é solidário está a fim de massagear o próprio ego; não é isso! É um processo, de certa forma, previsível. Se eu estou fazendo bem ao outro, está fazendo bem a mim porque eu acredito nesse valor moral que é a solidariedade.

 

JO – Como podemos exercitar a solidariedade frequentemente?
Marcus Batista –  O exercício contínuo é uma questão de ética. A solidariedade é, acima de tudo, uma ação coletiva e, portanto, cidadã. Quando vivemos numa sociedade que começa a enxergar tudo sob uma ótica do consumo, que valoriza as aparências e a construção da imagem fica difícil exigir dela uma solidariedade contínua.

 

JO- Sobre a solidariedade no caso de quem está nesses locais salvando vidas, como os bombeiros. O que leva uma pessoa a se dedicar tanto ao próximo e a escolher uma profissão de alto risco?
Marcus Batista – Certas profissões são associadas a uma leitura de mundo mais politizada, de compreensão do outro, das mazelas sociais, das desigualdades. Mas geralmente o profissional que escolhe esse tipo de ofício é porque tem o comportamento do cuidar, tem a noção social de que sempre há alguém precisando de outro ser humano. São pessoas que têm uma sensibilidade contínua. 

 

Foto: Glauber Bedini/Governo do Estado de São Paulo