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Resenha da semana: Amor Até as Cinzas

26/10/2019
Resenha da semana: Amor Até as Cinzas | Jornal da Orla

Logo nos primeiros minutos de Amor Até as Cinzas, somos apresentados a um plano geral que exibe o absurdo contraste entre uma China rica em arquitetura, elegante e cheia de cores a uma maioria de desamparados que vivem pelas ruas da cidade de Datong.  Na China do diretor Jia Zhangke, essa passagem de tempo, misturada com a modernidade, é o principal pano de fundo para contar a história do casal de protagonistas deste longa, que possui um complexo escopo narrativo, porém com uma intenção mais profunda de discutir o que significa realmente amar alguém sem limites ou concessões, aprender a lidar com a dor e fazer dela um alicerce para seguir em frente.

 

O filme se passa em 2001 na cidade de Datong, China. Uma bela e jovem dançarina chamada Qiao (Zhao Tao) está apaixonada por Bin (Fan Liao), um mafioso local. Durante uma briga entre gangues rivais, ela dispara uma arma para proteger seu namorado. Mas isso lhe dá cinco anos de prisão. Após sua liberação, ela vai procurar Bin para tentar começar tudo de novo. Em seu mais novo projeto, Zhangke volta a trabalhar temas e estruturas que vimos em seus filmes anteriores, como tempo, memória e afeto, ao mesmo tempo aprofundando no íntimo de seus personagens. O diretor investe bastante em longos planos, sem cortes, e em uma montagem que ressalta bem o passar dos anos, e mostra respeitar a inteligência do público para imergir na história e identificar estas passagens naturalmente.

 

Um exemplo do talento do diretor para conduzir uma cena, é na que se passa em um quarto de hotel onde o casal de protagonistas começam a discutir sua relação. Zhangke executa tudo em um único plano, com os atores conseguindo transmitir todo o peso emocional em único corte, utilizando zoom em alguns momentos dando tempo para cada um refletir e lidar com a situação. O roteiro é épico em escala e é dividido em três atos, sendo a primeira etapa mostrando o casal lidando com um conflito junto a gangue local, tudo filmado com caprichadas tomadas e cheia de violência. O segundo ato começa quando Qiao é libertada da prisão e passa a procurar seu antigo amor ao passo que a última parte é mergulhada em melancolia e amargura, com a chegada da era moderna em um mundo que não pertence mais a eles. Esse ato perde um pouco o fôlego do longa, que busca formas mais convencionais de empatia do público, inserindo uma reviravolta melodramática em uma história que vinha, até então, caminhando por um terreno de brutalidade. Apesar de diversos pontos positivos, o filme peca pelo excessivo ritmo lento da narrativa e da falta de acontecimentos relevantes, que acabam prejudicando o poder desta obra.

 

Destacam-se no filme os atores Tao Zhao e Fan Liao, que possuem uma excelente química em tela e uma relação quase simbiótica entre os dois, fazendo com que o público se preocupe com o destino de cada um.

 

Amor Até as Cinzas conta com excelentes atuações e um ótimo trabalho visual e de direção, porém caso contasse com um final mais elaborado e diminuísse seu tempo de duração (que se arrasta demais), poderia ir muito além do que se propõe. 

 

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