Nunca fui muito fã do trabalho do diretor espanhol Pedro Almodóvar. Apesar de ser idolatrado por grande parte da crítica, seus filmes nunca me chamaram atenção, ao contrário do excelente A Pele que Habito, último dele que assisti. Confesso, que fui ao cinema assistir seu novo filme, Dor e Glória, sem muito entusiasmo, mas por se tratar de uma história autobiográfica, introspectiva e bem intimista do diretor, acabou me gerando uma grande empatia pela sensibilidade e maturidade que a trama é contada e mesmo ainda não me conquistando totalmente, esperarei suas novas obras com um olhar diferente a partir de agora. Almodóvar nos conduz por dentro de uma história repleta de derrotas, paixões, vícios e autodescoberta com um olhar reflexivo e cheio de afeto, mesmo que por vezes aparente que nada importante acontece no filme.
O longa conta a história de Salvador Mallo (Antonio Banderas), um melancólico cineasta em declínio que se vê obrigado a pensar sobre as escolhas que fez na vida quando seu passado retorna. Entre lembranças e reencontros, ele reflete sobre sua infância na década de 1960, seu processo de imigração para a Espanha, seu primeiro amor maduro e sua relação com a escrita e com o cinema. Almodóvar possui uma marca muito própria e consegue transformar seus traumas e experiências do passado e presente em algo sensível. Tratando-se claramente sobre sua vida, o diretor retrata seu protagonista sempre em planos isolados ilustrando sua solidão e a dificuldade de se relacionar com outras pessoas. Outro ponto interessante em sua filmografia é a utilização das cores (em especial o vermelho), e que aqui se torna uma poderosa ferramenta, demonstrando o amadurecimento do personagem em seus figurinos, seja mostrando seus momentos de fraqueza ou de libertação. Bem mais contido que em suas obras anteriores, o diretor ainda carrega no melodrama e volta a exaltar a figura de sua mãe, sem a ternura já vista anteriormente, mas em uma bela cena, já no final do filme entre Banderas e sua mãe idosa. O roteiro, também escrito por Almodóvar, celebra o cinema (que é a grande paixão do cineasta) e resgata as memórias afetivas de Mallo e seus momentos mais íntimos como o descobrimento de sua homossexualidade. Seguindo muitas vezes de forma não linear, o filme mostra com sutileza o processo de criação de um artista e praticamente disseca a personalidade de seu protagonista apresentando diversos flashbacks, mostrando o amor de Mallo pela mãe, pelas artes e um romance em sua juventude.
Na parte técnica, Almodóvar também não decepciona oferecendo um belo design de cenários repleto de cores vibrantes e aliado a uma fotografia que mescla com cores mais claras em sua infância se contrapondo com um presente mais escuro e deprimente.
Potencializando o filme, está a impecável atuação de Antonio Banderas como o alter ego de Almodóvar. Com um trabalho físico fantástico, apresentando suas limitações físicas sempre de forma sutil, Banderas tem aqui seu melhor trabalho, onde constatamos seu talento na cena do reencontro com seu antigo amor no apartamento ou na já citada conversa com sua mãe, mais no final do filme. Quando a câmera foca em seu rosto e vemos seus olhos lacrimejantes e um sorriso sem jeito, essa expressão vale mais do que mil palavras. Outra que está bem é Penelope Cruz, como a afetuosa e protetora mãe do protagonista ao passo que o ator Asier Etxeandia tem um dos melhores monólogos do filme, na cena do teatro.
Dor e Glória mostra o diretor Pedro Almodóvar abrindo seu coração em uma celebração ao cinema e ao amor. O filme pode por muitas vezes ter a sensação de ser arrastado e que não vai para lugar nenhum, mas que agrada em um conjunto geral por trazer uma excepcional atuação de Antonio Banderas e uma emocionante história em um dos trabalhos mais sensíveis do diretor espanhol.
Curiosidade: Para realizar Dor e Glória (2019), o diretor Pedro Almodóvar se inspirou no filme Oito e Meio (1963), de Federico Fellini.