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Resenha da semana: Nós

23/03/2019
Resenha da semana: Nós | Jornal da Orla

Jordan Peele surgiu para o mundo com o fantástico "Corra", longa que virou um tremendo sucesso de público e crítica e ainda por cima levou a estatueta do Oscar por Melhor Roteiro Original. Agora, Peele retorna com mais liberdade e continua usando o horror como pano de fundo para tecer críticas sociais ácidas misturadas com generosas doses de humor. "Nós" é o tipo de projeto que seria impossível ter sido lançado se "Corra" não tivesse sido um estouro, pois transita entre o cinema de arte, com referências, simbologias e ambições filosóficas em todo o seu texto, e o cinema popular, sendo um filme assustador, divertido, cruel e sarcástico. Não necessariamente nessa ordem.

 

No longa, Adelaide (Lupita Nyong'o) e Gabe (Winston Duke) decidem levar a família para passar um fim de semana na praia e descansar em uma casa de veraneio. Eles viajam com os filhos e começam a aproveitar o ensolarado local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna refém de seus próprios duplos. Sua sinopse parece ser simples mas existe uma maior complexidade nas entrelinhas do que imaginamos. Peele é um diretor extremamente autoral e imprime sempre sua marca em seus filmes, dominando completamente o uso dos jump scares e a manipulação das expectativas do público, que acha que está sendo levado pelo cineasta por um caminho para logo depois ver que foi totalmente enganado. O diretor cria planos muito elegantes, controlando em detalhe cada enquadramento com a câmera sendo movimentada com muita calma e leveza, me lembrando bastante os trabalhos de M. Night Shyamalan. O roteiro, que também é escrito pelo diretor, retrata bem a crescente atmosfera de intolerância e agressividade que tem se espalhado no mundo inteiro. Muito mais ambicioso que em seu longa anterior, Peele quis criticar a sociedade e ao mesmo tempo te deixar horrorizado (imagine você ter que enfrentar a você mesmo), e essa ambição junto com uma infinidade de simbologias e propostas, para quase duas horas de filme, acaba gerando alguns furos que ficam aparentes em seu audacioso roteiro, com um terceiro ato um pouco fraco em comparação ao restante do filme, mas que fecha bem o seu ciclo dando uma interessante virada em sua revelação final. 

 

A fotografia é muito bem trabalhada, seja na estética de cores fortes e quentes quando se passa de dia ou pelo uso de sombras e a sensação claustrofóbica nas cenas noturnas. Outro destaque do filme é sua trilha sonora, composta por Michael Abels com acordes e contrastes musicais em momentos chaves, proporcionando uma experiência não tão convencional em filmes de terror mas jamais esquecendo a criação da atmosfera de tensão que permeia o filme.

 

O filme se beneficia pela impressionante performance de Lupita Nyong'o, que exibe uma enorme desenvoltura ao transitar entre ternura e ferocidade construindo duas complexas personagens com maestria. Fica evidente que o diretor coloca, em diversas cenas, todo o foco na interpretação da atriz. O restante do elenco também merece destaque com todos tendo seus momentos de brilho em cena.

 

"Nós" abraça a idéia do surrealismo que seu realizador já havia abordado no longa anterior e consegue ser envolvente, perturbador e ambicioso sem perder o humor, um mix que o diretor consegue retratar como ninguém. Com uma história mais ambiciosa e não convencional para o gênero de horror, Jordan Peele consagra-se como mestre do gênero e com uma carreira extremamente promissora. Aguardo ansiosamente seu próximo filme.

 

Curiosidades: O diretor e roteirista Jordan Peele pediu que o elenco assistisse dez filmes de terror antes das filmagens começarem. O objetivo era garantir que todos os atores compartilhassem a mesma "linguagem" na hora de gravar. 
 

 

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