Comportamento

Crime em primeiro grau

29/08/2015 Da Redação
Crime em primeiro grau | Jornal da Orla
A prisão de “Ivinho”, como é conhecido o filho de 59 anos de idade do celebrado cirurgião plástico Ivo Pintaguy, trouxe aos holofotes um comportamento que se repete diariamente por todo o país: a embriaguez ao volante. Ivo, o filho, atropelou e matou um trabalhador no dia 20 de agosto, em uma via da Gávea, no Rio. Até então, acumulava dezenas de multas de trânsito no currículo, 14 delas por dirigir bêbado. 

Testemunhas asseguraram que ele estava alcoolizado no momento do acidente e a Polícia Civil o indiciou por homicídio doloso (intencional). O empresário ficou na cadeia apenas até o dia 27, quando a Justiça mandou soltá-lo e o homicídio foi reclassificado como culposo (sem intenção).

O exemplo do filho de Pitanguy é somente um na longa lista de impunidades. No Brasil, que detém um dos mais altos índices de mortes no trânsito por habitante, dirigir bêbado é um crime só visível quando resulta em tragédia. E a punição aplicada muitas vezes é revertida em distribuição de cestas básicas e serviço comunitário. “Ivinho” estava com a carteira de motorista em dia, mesmo com 14 flagrantes de falta gravíssima. Como isso é possível?
 
O que diz o Detran
Para o Departamento de Trânsito (Detran) de São Paulo é preciso uma mudança cultural da sociedade em prol de um trânsito mais seguro. “É preciso ser um motorista-cidadão, preocupado com todos os envolvidos no trânsito, agindo sempre de forma preventiva de modo a evitar acidentes”, afirma o órgão.

Com relação às fraudes em documentos, o Detran ressalta que o cidadão é responsável pela declaração que faz aos órgãos públicos. “O Boletim de Ocorrência é um documento oficial, emitido pela Polícia Civil, e tem validade. Portanto, é aceito como documento que atesta o extravio. Porém, comunicar a falsa perda de documento e utilizar o boletim para fraudar processo administrativo pode configurar crime, conforme prevê o artigo 347 do Código Penal”.

Comprovada a fraude, o motorista pode responder à Justiça e receber pena de prisão de três meses a dois anos. Ao emitir a 2ª via da habilitação, o número do documento original é automaticamente invalidado. 

Quanto à fiscalização, garante que é procedimento padrão da Polícia Militar consultar a situação do registro do veículo e do condutor durante a fiscalização de trânsito. “Independentemente de o motorista portar um documento em mãos, será constatado que ele cumpre período de suspensão e, além de aplicar multa, será instaurado processo para cassação da CNH por dois anos”. 

A autarquia defende a criação de varas especiais na Justiça para julgar exclusivamente questões de trânsito, “o que poderia tornar os processos mais céleres e a aplicação das penalidades mais efetivas”

 
Tolerância zero
A Lei Seca estabeleceu tolerância zero no trânsito em relação ao consumo de bebidas alcoólicas. O motorista que for apanhado com qualquer concentração de álcool no organismo é autuado por infração gravíssima. A penalidade fixa multa de R$ 1.915,30, recolhimento da habilitação, suspensão da carteira, além da retenção do veículo, até a apresentação de condutor habilitado. Em reincidência, dentro de um ano, o valor da multa será duplicado e poderá chegar a R$ 3.830,60.

Entretanto, segundo o Detran, os motoristas notificados não têm a habilitação suspensa imediatamente, pois têm direito a apresentar defesa nas diversas instâncias previstas na legislação federal, inclusive na Justiça. A suspensão do direito de dirigir é estabelecida em 12 meses. Porém, caso envolva crime de trânsito, a Justiça pode estabelecer uma suspensão maior ou até mesmo a cassação direta da habilitação. 

Hoje, a identificação de outras drogas é feita por meio de exame de sangue. Quando o condutor abordado em fiscalização não ingeriu bebida alcoólica, mas demonstra estar alterado, um indício de que pode ter consumido outra substância psicoativa, é encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) para a realização do teste. Caso o motorista recuse recolher o sangue, o médico perito fará um exame clínico para identificar a substância. 
 
Legislação frágil 
Na opinião do advogado criminalista Joaquim Fernandes, no Brasil as pessoas não têm medo de beber e dirigir porque a legislação é frágil. “Nem a fiscalização do bafômetro é eficaz, pois ninguém é obrigado a produzir prova contra si”. Para ele, a lei tem que ser dura, mas tem que ser exequível. 

“Aqui, o cidadão não teme a lei. Americano e europeu temem, pois o ato praticado traz sérias consequências. No caso do filho do Pitanguy, ele só foi  preso porque o momento do Brasil no Judiciário não é bom para réu nenhum”, diz.

Joaquim cita também as fraudes que permitem burlar a lei e que, segundo ele, são praticadas porque falta efetiva fiscalização, não há controle. “O cidadão, para não entregar a carteira no ato de suspensão, faz um Boletim de Ocorrência de extravio ou tira uma segunda via antes de ser notificado. Como a maioria das blitzes de trânsito não realiza consulta da habilitação no momento da abordagem, os condutores que estão com a CNH suspensa continuam sem punição.”, exemplifica. 

Casos que deram repercussão
Renner – Um dos casos mais recentes envolve o cantor Renner, da ex-dupla sertaneja Rick e Renner. Em 2014, um dia depois do Natal, foi detido visivelmente bêbado, depois de provocar um acidente. Treze anos antes, em 2001, ele matou um casal que estava em uma moto, quando em alta velocidade atravessou para a pista contrária com sua BMW.  Depois do acidente, o cantor acumulou em cinco anos 154 pontos na CNH e ainda participou, ao lado do antigo parceiro Rick, de uma campanha contra acidentes de trânsito a convite da Polícia Rodoviária do Estado de São Paulo. 

Carli Filho – Em 2009, o então deputado estadual Carli Filho, do Paraná, dirigindo a 173 km por hora, colidiu com o carro do estudante Rafael Yared, que morreu. Na época, foi constatado que ele dirigia em alta velocidade, com a carteira de habilitação suspensa e ainda com indícios de embriaguez. O processo se arrasta até hoje e a cada novo movimento processual, a defesa do ex-deputado produz recursos em instâncias superiores, retardando o julgamento do caso.

Thor Batista – Outro caso que ganhou notoriedade foi o de Thor, filho do empresário Eike Batista. Em 2012 ele atropelou e matou um ciclista na Rio-Petrópolis. O primeiro laudo pericial concluiu que ele trafegava acima da velocidade permitida para o local, que é de 110 km/h. Com base em um segundo laudo, que indicou que uma velocidade menor, Thor foi absolvido.
 
Rigor americano
Nos Estados Unidos, quando o policial aborda um motorista suspeito, conclui se ele bebeu ou não aplicando testes na rua, como os que se veem nos filmes e na TV: o condutor tem de provar que consegue se equilibrar em uma perna e andar em linha reta. Se bambear, vai algemado para a delegacia.

Lá, pode até se recusar a soprar o bafômetro, mas será indiciado do mesmo jeito, graças ao mecanismo da “culpa presumida”. O rigor aplicado tem um caso exemplar: em 2009, Bobby Joe Stovall, de 54 anos, dirigia seu caminhão no Texas e se envolveu em um acidente. Havia ingerido uma quantidade de álcool quatro vezes mais alta do que a permitida no Estado. Como foi a nona vez que Stovall foi pego dirigindo bêbado, o juiz o sentenciou à prisão perpétua, por entender que era a única forma de impedir que ele continuasse ameaçando vidas. E também não adianta ser celebridade. Confira alguns casos:

Kiefer Sutherland – O protagonista da série 24 Horas já passou 48 dias na cadeia por dirigir embriagado.

Mel Gibson – O galã, como tantos outros do mundo das celebridades, foi preso por dirigir alcoolizado.

Lindsay Lohan – Recordista em passagens pela polícia, a atriz foi presa por dirigir embriagada e drogada, motivo que a levou a uma clínica de reabilitação

Paris Hilton – A herdeira dos hotéis Hilton foi presa depois de dirigir embriagada, além de estar com a habilitação cassada.