Opinião

A desgraça na esquina

22/02/2025 Luiz Dias Guimarães
A desgraça na esquina | Jornal da Orla

A banalização da desgraça nas ruas torna desafortunados invisíveis aos olhos que têm pressa, não querem ser incomodados ou simplesmente preferem desconhecer o infortúnio.

Este homem no semáforo, diante de mim, seria mais um, não carregasse debaixo do braço indecifrável cartaz de papelão que me despertou curiosidade. A má grafia me impedia de ler, atraído pela camisa amarela da Seleção que vestia. Talvez por isso, por alguns momentos, vi-me envolto num turbilhão de pensamentos.

O que estava escrito no esforço analfabético daquele senhor talvez fosse o mais previsível. A desgraça tem diferentes apelos, mas a mesma necessidade. O que exaltava a urgência era a condição do tempo. Ele caminhava trôpego na esquina, debaixo de escaldante sol. Seu andar inseguro indicaria a precária condição física? Ou seria consequência do cansaço de sua existência?

A aparência daquele homem negro lhe atribuía idade avançada, talvez 65 anos. Mas a inclemência da vida depaupera e confunde. Poderia ser simplesmente um adulto de uns 50 anos, desempregado em busca de comida.

E por que estaria com aquela camiseta? Qual o significado da escolha? Não, certamente não houve o que escolher, seria apenas a que dispunha para vestir. Mas, e a origem da roupa? Teria ganho de algum torcedor fanático arrependido, ou que engordou e não mais nela cabia? Ou então o desafortunado a teria achado na lata de lixo? Ou ainda, seria ele, apesar de todas as adversidades, alguém agora desempregado que em tem-pos mais felizes houvera por se paramentar para assis-tir e torcer fervorosamente diante da televisão?

Aquela camisa poderia ter outra conotação nestes tempos modernos que em nada associa ao selecionado brasileiro. Seria um clamor de quem, ao escolher um lado, pretendia se manifestar declamando o amor e se dizendo defensor do país. Mas muito provavelmente não era o caso daquele sofrido ser. Pensei em Macunaíma, que Mário de Andrade rotulou com primor o caráter do brasileiro. Certamente, porém, não era mais um.

Esse homem, que enfrentava o rigor do calor debaixo do sol, carregando um cartaz indecifrável de esperança, nada tinha de preguiçoso, tampouco de esperto. Fosse assim ao menos se armaria de uma mensagem melhor escrita por alguém. Era apenas um desesperado, muito mais do que eu, atrasado para meu compromisso sem me ater ao semáforo que abria.