Opinião

A fabulosa mensagem de Zé Corneteiro

15/02/2025 Luiz Dias Guimarães
A fabulosa mensagem de Zé Corneteiro | Jornal da Orla

Acordei com um vídeo que mostrava um grupo de soldados em formação ao toque de estridente clarim, em plena Praça Mauá. Tosco estandarte anunciava “novos recrutas do incrível exército do Zé Corneteiro”. Eram cinco voluntários com chapéus de papel, homens e mulheres de variadas idades em continência à fantasia.

Que loucura, um momento lúdico debaixo do sol e da realidade atroz. Soldadinhos que me levaram à infância, quando ingênuas histórias me faziam criar minhas próprias ilusões. “Marcha soldado, cabeça de papel…”
Nesse exército havia crianças de oitenta anos. Eram recrutas felizes. Recrutas do exército da brincadeira. A loucura do amigo Escandon contagia.

Desde quando, há anos, encerrou seu comércio e com trajes improvisados instalou-se na Casa do Trem, um dos monumentos históricos do Centro de Santos, onde o exército do reino guardava apetrechos e munições para proteção dos piratas e outros invasores do porto da nossa vila.

À porta do prédio bélico, surgia recentemente o Zé Corneteiro com sua farda de farrapos fazendo a guarda, marchando e soprando seu já gasto clarim. Era sempre aplaudido diante de inusitado espanto dos turistas e santistas que por lá passavam enquanto ouviam detalhes da rica história santista.

Hoje eu iria escrever sobre o duplo mundo em que vivo. Aquele em que nasci, um mundo analógico cuja escassez de informações reforçava crenças e convicções. E outro, o atual, que inunda de descobertas e solapa muitas vezes a verdade, deixando-me saudoso de um lado e encantado de outro.

A fartura de informações, porém, acelera meu espírito enquanto dedilho o carrossel digital, sem saber o que é verdade e o que é mentira fabricada por fantásticos recursos. Vivo hoje a fantasia das máquinas que robotizam meu ser e, ao tempo em que encantam meus olhos, me fazem brotar a saudade de um tempo em que era eu quem criava minhas próprias fantasias.

Zé Corneteiro, o soldado feliz, surgiu-me feito senha na interpretação do meu dia, e me deu inveja. Uma vontade de desgarrar-me dos dois mundos e apresentar armas a esse oficial do inusitável da vida. Aí então eu deixaria de lado as verdades e as mentiras do mundo que frequento e me engajaria nesse exército em que nada de concreto importa. Só o prazer de brincar de verdade e viver feliz também, no universo em que só interessa “marchar direito” para não ir “preso pro quartel”.