Opinião

Cultura do trágico amor

01/02/2025 Luiz Dias Guimarães
Cultura do trágico amor | Jornal da Orla

O amor é uma tragédia. Ao menos o que chama a atenção e resiste ao tempo. A emblemática livraria Lello comemora no Porto seus 119 anos e, para isso, quer celebrar o amor em 2025. Nada melhor que associar esse sentimento ao estômago, que dói nas suas mais agudas manifestações. Conclamou os restaurantes tripeiros a mudarem o nome da tradicional sobremesa, Romeu e Julieta.

Romeu e Julieta não sei por quê o britânico Shakespeare situou na italiana Verona, que desde então lucra atraindo turistas com as falsas casas dos imaginários personagens. A Lello defende a cultura portuguesa e convenceu restaurantes a mudarem o nome nos cardápios para Simão e Teresa, personagens do aclamado Camilo Castelo Branco, em Amor de Perdição.

A proposta foi amplamente aceita, faz jus ao valor que na Europa e em outros continentes se atribui à História nativa. O paladar do doce com queijo não muda, apenas a autoestima nacional.

Curioso que o amor é invariavelmente cultuado quando associado à tragédia. Será sempre o de maior valor? Na Espanha a medieval Teruel, no Aragón, vive da lembrança de Diego e Isabel, personagens de fatídico amor, com ingredientes semelhantes aos de Shakespeare, se bem que anterior à obra deste conturbado dramaturgo. Vivenciei em Teruel a força do amor trágico, regado a vinho pelos turistas comensais que lá festejam o infortúnio do casal, para lucro dos moradores.

Faz sentido cultuar o drama do amor na cultura local. Por isso pensei que no Brasil sejam os chefs e restauranters convencidos a transformar nossa sobremesa à base de goiabada com queijo branco em uma adocicada homenagem a Machado de Assis. A iguaria passaria a se chamar Bentinho e Capitu, do clássico e memorável Dom Casmurro.

Afinal, também temos nossa tragédia. Não tanto com elementos de diferença de classe e destino, mas com a chama do ciúme e traição, ingredientes que muitas vezes não faltam na narrativa do amor, esse sentimento que tanto idealizamos mas que só se perpetua quando se transforma numa imensa tragédia.