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Esses obscuros objetos de desejo

15/02/2025 Ivani Cardoso
Esses obscuros objetos de desejo | Jornal da Orla

“Hoje estou velha como quero ficar.

Sem nenhuma estridência.

Dei os desejos todos por memória

e rasa xícara de chá.

Adélia Prado

O envelhecer traz muitas lembranças e vontades que ficaram à beira do caminho. Por escolhas ou por inércia, vão sendo abandonados e esquecidos. E tudo passa tão rápido que muitas vezes nem dá tempo de olhar para trás e resgatar a falta.

Desejar (no sentido amplo, não só referente à sexualidade) faz parte do processo de procurar significados no cotidiano, de enfrentar e amenizar os desafios dessa fase. Para Jung, o desejo é a fonte motivadora que nos inspira a trilhar o caminho da vida.

Eu não quero deixar os desejos por memória e quero a minha xícara de chá, a taça de vinho ou o copo de água por inteiro. Não quero sobras para preencher as lacunas. Quero, sim, ter a capacidade e a habilidade para continuar desejando, buscando,respeitando as urgências que me fazem feliz.

Vocês já se perguntaram o que traz felicidade? Muitas vezes o que era importante na juventude pode parecer bizarro ou infantil anos depois, mas tudo isso faz parte do processo de amadurecimento.

Louca por cinema desde sempre, lembro que desejei muito ter uma camisola igual a de Elizabeth Taylor em “Gata em teto de zinco quente”. Claro que eu sabia que jamais chegaria perto da imagem da Liz sedutora e de olhos violeta ignorada por Paul Newman no filme, mas saía procurando a camisola em lojas de lingerie. Certa vez, nos Estados Unidos, meu namorado na época conseguiu achar uma camisola bem parecida. Eu parecia uma criança feliz pelo presente imaginado. E era só uma camisola.

Não se pode perder o prazer de viver. E nem é preciso querer sonhos impossíveis, são os pequenos prazeres que trazem sabor de festa. Pode ser degustar devagarinho um espumante admirando o pôr do sol, deliciar-se com um cafezinho fumegante, comprar flores para deixar a casa mais bonita, usar uma roupa nova sem motivo, andar descalça na beira do mar e tantas outras coisas que nos fazem bem.

Quantas vezes sufocamos nossos desejos por medo da opinião dos outros, dos nossos preconceitos, das nossas verdades herdadas de outras gerações, do medo de julgamentos de amigos ou parentes?Proponho uma reflexão sobre quais são os seus objetos de desejo. Hora de ir à luta!

Envelhecer é entender que o tempo é seu e que você merece usar o que tem vontade, escolher os programas e as amizades que trazem alegria e acolhimento, realizar seus sonhos sem se importar com críticas. Rever o que já não cabe mais nesse momento da vida e aprender a dizer não são as grandes lições da maturidade.

Não podemos saber quantos anos teremos pela frente, mas podemos, sim, escolher o que não queremos mais e deixar a vida fluir sem tantas certezas e com muito mais curiosidade por tudo que nos cerca. As perguntas, como dizia o poeta Rainer Maria Rilke, são muito mais importantes do que as respostas que ainda não nos cabem viver.