Kalil Duailibi
Comportamentos adquiridos na infância e adolescência tendem a se perpetuar na vida adulta. Que exemplo estamos dando aos nossos filhos e netos?
Apesar de ser considerado crime no Brasil, não é novidade que muitos estabelecimentos vendem álcool a menores de 18 anos, o que permite que eles tomem bebidas alcoólicas sem terem idade para isso. E este consumo entre adolescentes vem despertando cada vez mais preocupação na sociedade. A adolescência é uma etapa essencial para a construção de identidade para o desenvolvimento de um adulto independente. Porém, más escolhas podem levar ao início de jornadas difíceis, como é o caso do alcoolismo.
O fato é que quanto mais cedo ocorrer o primeiro contato do jovem com essa substância, maiores serão os riscos. Segundo dados de um artigo produzido pela Universidade da Finlândia Oriental e pelo Hospital Universitário Kuopio, publicado pela revista científica Alcohol em 2021, o uso excessivo de bebidas alcoólicas na adolescência está associado a alterações volumétricas no cerebelo – a parte do cérebro ligada às funções motoras e cognitivas do ser humano – na idade adulta. Além disso, outro estudo recente, apresentado durante o Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia 2021, revelou que o consumo de álcool no período que vai da adolescência à juventude está relacionado ao surgimento de aterosclerose, um enrijecimento das artérias considerado fator de risco para doenças cardiovasculares.
Em 2020, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em conjunto com as Universidades Federais de Minas Gerais e Campinas, avaliou 44 mil brasileiros entre os meses de abril e maio. Alguns dados do estudo são preocupantes: 18% dos pesquisados relataram ter aumentado a ingestão de bebidas de teor alcoólico durante aquele período; 40% dos entrevistados se sentiam tristes ou deprimidos frequentemente e 54% relataram ansiedade e nervosismo. Segundo a pesquisa, a ligação entre o aumento do estresse e o consumo de álcool fica ainda mais evidente com outro dado: entre pessoas que relataram se sentir tristes/deprimidas, o aumento do uso de bebida alcoólica foi de 24%, acima da média geral.
Os dados são alarmantes, porque em muitos países americanos e europeus, a maior parte dos jovens faz uso de álcool antes dos 15 anos. No mundo, 26,5% dos jovens de 15 a 19 anos beberam no último ano, correspondendo a cerca de 155 milhões de pessoas, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2018). No Brasil, dados do IBGE mostram que o consumo de álcool é o maior responsável por mortes de brasileiros entre 15 e 19 anos e que pouco mais da metade dos alunos do país do 9º ano já experimentou bebidas alcoólicas – ou seja, cerca de 1,5 milhão de adolescentes de apenas 13 ou 14 anos.
Atualmente, no cenário pandêmico, cada dia mais estudos novos revelam aumento do consumo de bebidas alcoólicas pela população em geral. E principalmente dentro de casa, uma vez que as restrições sociais ainda vigentes mudaram os hábitos de circulação de muita gente. Para as crianças e adolescentes isso é particularmente importante, porque muitos comportamentos que são adquiridos entre infância e adolescência tendem a se perpetuar na vida adulta. Que exemplo estamos dando aos nossos filhos e netos?
Jovens que começam a beber antes dos 21 anos têm probabilidade quatro vezes maior de desenvolverem dependência alcoólica. Além das questões relacionadas ao desenvolvimento biológico, o início precoce do consumo de álcool tem outros impactos importantes, pois aumenta o risco de lesões corporais, o envolvimento em acidentes de trânsito, a vulnerabilidade a riscos como gestação indesejada e o aparecimento de doenças sexualmente transmissíveis. Mulheres e meninas, como sempre, são as principais vítimas, vale ressaltar. Dados da PeNSE de 2019 mostraram que, entre os adolescentes que haviam experimentado bebida alcóolica pela primeira vez antes dos 14 anos de idade, o indicador é maior entre as meninas – 36,8%, contra 32,3% entre os meninos.
Este é um alerta fundamental. Afinal de contas, a responsabilidade é de todos: famílias, escolas, comunidade, profissionais de saúde, mídias e governo. Precisamos atentar a este tipo de comportamento tão nocivo antes que seja tarde demais. E o primeiro caminho, é, sem dúvida, a prevenção e a informação.
Kalil Duailibi é psiquiatra e professor do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa.